À volta das letras com Fernando Cavaleiro Ângelo sobre “DINFO – A Queda do Último Serviço Secreto Militar”

Fernando Cavaleiro Ângelo, autor dos livros “Os Flechas – A Tropa Secreta da PIDE/DGS na Guerra de Angola” e “Os Falcões do Biafra – O Envolvimento Secreto de Portugal na Guerra Civil da Nigéria”, lança agora “DINFO – A Queda do Último Serviço Secreto Militar”. Neste livro, resultado de uma longa investigação de dois anos, o militar da marinha com mais de 30 anos no ativo revela, em primeira mão, muitos dos segredos da «mão invisível» do Estado e explica o lado mais inacessível do Estado português. À LOOK mag revelou um pouco do que podemos ficar a conhecer nas páginas desta obra.

O que o levou a ir para a Marinha?
O enorme gosto pelo mar e uma influência exercida, de forma indireta, pelo meu irmão que naquela época ainda frequentava a Escola Naval.

Que poder o mar exerce sobre si?
Serenidade, resiliência e mistério.

Possui um mestrado em Intelligence and Security Studies pela Universidade de Salford, no Reino Unido. Exatamente em que consiste?
Foram três anos, o último dedicado à dissertação, onde se estudam, analisam e discutem todas as temáticas relacionadas com as diversas disciplinas das informações e de segurança, incidindo muitos estudos de caso que a história da Grã-Bretanha é extremamente fértil.

Depois de “Os Flechas – A Tropa Secreta da PIDE/DGS na Guerra de Angola” e “Os Falcões do Biafra – O Envolvimento Secreto de Portugal na Guerra Civil da Nigéria” apresenta-nos agora “Dinfo – A Queda do Último Serviço Secreto Militar”. Em primeiro lugar impossível não começar por lhe perguntar o que era a DINFO?
A DINFO era o acrónimo para Divisão de Informações, que naquele período assumia a função de único serviço de informações em Portugal, depois do colapso da PIDE/DGS no dia 25 de abril de 1974. As informações e grande parte da investigação criminal era desenvolvida pela polícia política do regime salazarista, pelo que quando foi extinta não estava edificada a capacidade para lidar com agentes de ameaça como o terrorismo e espionagem.

É referido que foi fundamental na preservação da segurança nacional. Quais eram exatamente as funções, finalidades e objetivos da DINFO?
Na condição de único de serviço de informações, a DINFO tinha como missão detetar, monitorizar e avaliar os agentes de ameaça que atuavam em Portugal, nomeadamente a atividade de terrorismo de extrema-direita e extrema-esquerda e espionagem dos serviços secretos soviéticos, bem como produzir informações de apoio aos mais altos dignitários do país sobre países e regiões de interesse naquela época conturbada da nossa história.

Como lhe surgiu a ideia de escrever este livro?
Depois de ter trabalhado com as mulheres e homens que no passado pertenceram à DINFO, pensei ser de inteira justiça homenagear estes desconhecidos que tanto fizeram pela segurança e estabilidade de uma jovem democracia que começava a trilhar o seu caminho na direção da liberdade e pluralismo, após diversas décadas sobre um regime ditatorial.

Quanto tempo levou a sua investigação?
Mais de dois anos, seguramente.

Como foi ela desenvolvida?
Durante alguns anos em contato direto com os oficiais de informações da DINFO, onde me foi possível entrevistar alguns deles, conjuntamente com alguma documentação que reside nos arquivos nacionais e o meu conhecimento acumulado durante quase duas décadas na área das informações.

s entrevistas e testemunhos foram todos de ex-elementos da DINFO ou também de pessoas fora da estrutura?
Exclusivamente de antigos oficiais de informações da DINFO.

No livro revela muitos acontecimentos desconhecido dos portugueses, como um atentado à bomba contra Ramalho Eanes. Até que ponto o seu livro nos pode ajudar a compreender melhor a história do nosso país nas últimas décadas?
Quando se faz uma investigação, o objetivo central é trazer a público alguns factos e/ou episódios que ainda não tivessem sido do conhecimento da maioria dos leitores. Este livro pode constituir-se como mais um elemento de informação, conjuntamente com outros que têm vindo a ser publicados, que em conjunto proporcionam um melhor entendimento de um período da nossa história.

Na sua perspetiva acha importante que nos debrucemos mais sobre os anos do pós-25 de Abril ou é da opinião, como tantos, de que ainda existem feridas abertas e é melhor que sarem antes de acontecer uma análise mais profunda?
Essa narrativa ainda impera em muitos setores da nossa sociedade. O 25 de Abril foi um marco histórico que será relembrado como foram outros importantes marcos da nossa longa história. O passado já não volta. O que interessa neste momento é o presente e o futuro do nosso país. A história não pode ser escondida ou desvirtuada. É o direito que assiste a todos os portugueses: saber a nossa história. Mesmo que existam episódios controversos ou tempestuosos, temos que colocar em contexto passados que foram quase cinquenta anos.

Quando passou a DINFO para a pesquisa de informações relacionadas com terrorismo e espionagem? Também nessa fase a estrutura teve um papel importante?
Na segunda metade da década de 70. Tiveram um papel basilar no combate e erradicação da atividade terrorista em território nacional e nas ações de espionagem levadas a cabo por serviços secretos soviéticos.

Falamos então de espiões portugueses, certo? Isto em plena Guerra Fria…
Seguindo uma terminologia anglo-saxónica, eram oficiais de informações portugueses. Os espiões são sempre os opositores, os agentes que trabalham para os serviços secretos hostis. A Guerra Fria estava no seu auge, a descolonização dos países africanos de língua oficial portuguesa tinha ocorrido recentemente, pelo que existia uma enorme vontade de influenciar os destinos da jovem democracia em Portugal e também de ocupar o espaço de influência e presença que tínhamos deixado em Angola, Moçambique, Guiné-Bissau, principalmente.

Como era um espião da DINFO, ou um agente secreto? Inevitavelmente todos temos na ideia a imagem do 007…
O agente 007 é uma reprodução algo romantizada e ficcionada que Ian Fleming, um assessor do chefe do Serviço de Informações Secretos (MI-6), fazia de um oficial de informações britânico. Fica sempre a dúvida que alguma da atividade que James Bond demonstra nos diversos episódios pode ter, de alguma forma, alguma colagem com situações que ocorreram na realidade. Muitas das ações que os oficiais de informações desenvolvem nesta atividade poderão, de facto, ter algumas similitudes com a ficção apresentada por Ian Fleming ou John Le Carré.

Do lado de lá da Cortina de Ferro tínhamos os agentes do KGB. Estavam eles presentes em Portugal?
Tanto estavam presentes em Portugal que alguns acabaram por ser expulsos, depois de serem considerados persona non grata. Existem relatos noticiados destes episódios que foram do conhecimento público e que também estão retratados no livro da DINFO.

Mais tarde a DINFO surge no apoio aos guerrilheiros de Angola, Moçambique e Timor-Leste. Qual o papel desempenhado pela DINFO?
Proporcionar informações aos decisores políticos e militares do nosso país sobre os acontecimentos e desenvolvimentos destes recém-independentes países. A descolonização estava ainda em curso, com muitos portugueses a aguardarem o seu regresso a Lisboa, e também algumas empresas e indústrias de portugueses continuavam a laborar em alguns destes países. Pelo que havia a necessidade dos nossos decisores de topo estarem informados sobre a condição securitária dos cidadãos portugueses ainda presentes nestes países, alguns deles em conflitos internos bastante violentos entre grupos e movimentos que se digladiavam pelo poder.

Tendo desempenhado um papel importante na defesa do Estado, o que levou ao desmantelamento da DINFO?
A extinção do agente de ameaça em território nacional, conjuntamente com a criação em meados da década de 80 do Serviço de Informações de Segurança (SIS) e Departamento Central de Combate ao Banditismo (DCCB) da Polícia Judiciária que possuíam a responsabilidade sobre estes mesmos agentes de ameaça, fez com que a DINFO fosse restruturada numa nova Divisão de Informações Militares (DIMIL). A DINFO acabou por ter uma meritória ação num período da história onde havia um enorme vazio deixado pelo colapso da PIDE/DGS.

Ao último capítulo, o 15.ª, deu o título de “A Queda da DINFO. E Depois?”. De facto, tendo sido desmantelada nos anos 90, corrija-me se estiver errada, o que aconteceu ao arquivo da DINFO?
Não faço ideia. Poderão estar ainda em processo de desclassificação ou foram destruídos, conforme foi noticiado há uns anos na imprensa nacional.

Podemos falar na DINFO como um mito no universo das informações nacionais?
Não foi um mito. Portugal nunca enfrentou em simultâneo dois agentes de ameaça, terrorismo e espionagem soviética, que teimavam em colocar em risco uma democracia ainda bastante frágil e instável que poderia a qualquer momento descambar numa convulsão interna. Não tenho dúvidas que se não fosse a ação efetiva e eficaz da DINFO, que os níveis de violência tinham descambado de forma exponencial.

De que forma analisa hoje as informações militares?
Não me posso pronunciar, quer pelo facto de ter saído do Centro de Informações e Segurança Militares (CISMIL) há já alguns anos, quer por questões deontológicas e securitárias que este tipo de atividade impõe.

O terrorismo é hoje a maior ameaçada à paz dos países, nomeadamente o nosso?
O terrorismo ainda continua a ser a maior ameaça à paz e estabilidade de alguns países, mormente nos continentes africano e asiático. Em Portugal, e limitando-me à leitura que me é facultada pelos órgãos de comunicação social, não existem indicadores que me façam considerar de momento o terrorismo como uma ameaça ao nosso país.

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