À volta das letras com Octávio Fonseca sobre “Uma vontade de Música – As Cantigas do Zeca”
Octávio Fonseca, um dos mais conceituados estudiosos e conhecedores da obra de Zeca Afonso, descreve em “Uma vontade de Música – As Cantigas do Zeca”, através de uma aprofundada e exaustiva pesquisa, o percurso deste nome ímpar, desde o seu início, enquanto intérprete e autor de Fados de Coimbra, passando pelas diversas fases em que recriou e reinventou por completo a música popular portuguesa, quer através de baladas, de canções, ou de cantigas de intervenção. Neste À volta das letras fomos descobrir um pouco mais sobre este livro imperdível.
Quando e como descobriu a obra do Zeca?
Comecei por conhecer as baladas, mas a partir do álbum Cantares do andarilho passei a comprar todos os seus discos, de que tenho as primeiras edições.
O que mais o encanta na pessoa e no artista que foi Zeca Afonso?
A criatividade desconcertante.
Foram muitas as fases artísticas (se assim as podemos chamar) do Zeca. Qual a mais lhe agrada e por quê?
Todas as suas fases musicais foram determinantes para a música portuguesa. Por isso tiveram todas a mesma importância em função do contexto.
Se não fosse o Zeca a música portuguesa não seria o que é hoje. Concorda?
Ele foi o iniciador do “movimento das baladas” que renovou completamente a nossa música popular. Penso que, sem ele, essa renovação acabaria por acontecer até por força da renovação da música popular ocidental. O caminho poderia ter sido diferente, mas o essencial é que foi ele que desencadeou todo o processo no nosso país.
Lança agora o livro “Uma vontade de Música – As Cantigas do Zeca”. Como surgiu este projeto?
Surgiu da forma como passei a ler a obra de José Afonso depois de ter participado na transcrição das suas canções para partitura no livro José Afonso ― Todas as canções, em coautoria com Guilhermino Monteiro, João Lóio e José Mário Branco.
Como correu esse curso? Foi gratificante?
O curso para que fui convidado pela Universidade Popular do Porto obrigou-me a fazer uma pesquisa sobre a obra de José Afonso, que depois continuei a desenvolver, como me parece evidente no livro. Pela reação dos participantes, o curso foi muito gratificante.
Percebe-se o sucesso da iniciativa quando se sabe que a mesma se reconverteu numa série de conferências. Como é que isso aconteceu?
Depois do trabalho desenvolvido para o curso pareceu-me de certo modo um desperdício não aproveitar mais essa pesquisa. Nesse sentido ofereci à Associação José Afonso a possibilidade de o apresentar em forma de conferência, o que foi aceite pelos seus responsáveis.
Por onde andou essa conferência e qual foi o feedback?
Realizei essa conferência 5 vezes no Porto e em Aveiro, Lisboa, Setúbal e Paredes. As reações foram semelhantes às do curso.
Mas como se passa de um ciclo de conferências para um livro?
O livro já tinha começado a ser escrito, só que por motivos profissionais tive que suspender o trabalho durante seis anos. O livro foi acima de tudo uma consequência do trabalho de transcrição das canções para partitura.
Quais os maiores desafios que se lhe colocaram na realização desta obra?
Tentar perceber o processo criativo de José Afonso, tentar perceber como chegou a certas soluções musicais e qual o sentido de muitas das suas letras.
Assume de forma propositada a falta de isenção…
Isso é uma provocação para os que tentam impingir a sua isenção. Poderia dizer que este livro é tão parcial e subjetivos como todos que se dizem imparciais e objetivos. Em todo o caso, uso formulações absolutamente proibidas em trabalhos científicos ou jornalísticos.
Como deve ser lido este livro? Aos “saltos” ou do inicio ao fim?
O livro foi escrito para ser lido continuamente sem consultar as notas, que apenas comprovam as afirmações do texto. As notas e os apêndices foram pensados mais para os leitores que pretendam aprofundar mais o que está em discussão.
É este um livro só para admiradores do Zeca ou não?
Foi escrito para os admiradores de José Afonso. O livro é um ponto de partida para discutirem as questões que levanto e para os provocar no sentido de procuraram fazer as suas próprias descobertas e a sua própria leitura.
Poderá ele servir como porta de entrada à descoberta da vastíssima obra de Zeca Afonso?
Esse foi precisamente o meu objetivo.
