Under the Doom 2025: quando as sombras dançaram e as trevas inundaram o coração de Lisboa
A 9.ª edição do Festival Under the Doom consolidou-se como um dos maiores eventos de doom metal da Europa, reunindo uma seleção impressionante de bandas que exploram as profundezas da melancolia e da intensidade sonora.
Texto: Sandra Pinto
Fotos: Luís Pissarro
Realizado na Music Station, em Lisboa, o festival ofereceu dois dias de performances que variaram entre o atmosférico e o brutal, proporcionando uma experiência única aos verdadeiros aficionados do género. Com um público diversificado e entusiasta, o evento reafirmou a importância do doom metal como uma forma de expressão artística profunda e visceral.
O alinhamento do festival foi cuidadosamente planeado, apresentando desde lendas do género até promissores talentos emergentes. Bandas como My Dying Bride e Swallow the Sun trouxeram a sua experiência e peso emocional, enquanto grupos como TodoMal representaram com mestria a cena ibérica. A diversidade sonora e a qualidade das atuações garantiram que o Under the Doom 2025 fosse uma celebração memorável da música doom.
A organização do Under the Doom 2025 revelou um nível exemplar de profissionalismo e atenção ao detalhe, contribuindo decisivamente para o sucesso do evento. Desde a escolha do local — a Music Station, em Lisboa, que ofereceu uma acústica excelente e uma atmosfera intimista — até à gestão eficiente das entradas e do fluxo do público, tudo esteve pensado para assegurar uma experiência confortável e segura aos fãs. A programação cumpriu rigorosamente os horários, permitindo que cada banda tivesse o seu espaço sem grandes atrasos, essencial para manter o ritmo do festival e o entusiasmo da audiência.
Para além disso, a produção visual e sonora esteve irrepreensível, com uma iluminação criteriosamente ajustada para complementar a sonoridade pesada e melancólica do doom metal, criando uma imersão total na experiência musical. Em suma, o Under the Doom 2025 destacou-se não só pelo excelente alinhamento, mas também pela organização exemplar, valorizando tanto os artistas como o público, consolidando a reputação do festival como um dos eventos de referência no circuito do metal extremo europeu.
A banda espanhola TodoMal apresentou uma performance profundamente densa, criando uma sonoridade poderosa e carregada de emoção crua. O alinhamento do concerto foi marcado por faixas retiradas dos seus álbuns Ultracrepidarian e A Greater Good, obras que exploram temas como a alienação, o sofrimento e a crítica social, sempre através de uma lente pesada e opressiva. A combinação de riffs pesados e lentos, ritmos cadenciados e vocais agressivos mas expressivos, mergulhou o público num ambiente quase claustrofóbico, onde o som parecia esmagar e envolver cada espectador. A energia crua da banda, aliada a uma presença de palco intensa e determinada, cativou a audiência do primeiro até ao último minuto do concerto. Os músicos mostraram uma química forte e um domínio absoluto sobre as dinâmicas entre momentos de brutalidade e passagens mais atmosféricas, mantendo sempre a tensão e a expectativa em alta.
Os Antimatter são um projeto fundado em 1998 pelo músico Mick Moss, que rapidamente conquistou o seu espaço na cena do doom metal e do rock gótico com uma abordagem intimista e profundamente emocional. Conhecidos pela capacidade de mesclar elementos de doom, rock gótico e folk, o grupo apresenta uma sonoridade única que explora não só o peso típico do género, mas também atmosferas melancólicas e reflexivas. No Under the Doom 2025, a banda envolveu a plateia numa viagem emocional marcada por canções que abordam temas como solidão, perda e busca interior, presentes em álbuns icónicos como Lights Out e Fear of a Unique Identity. A entrega sincera de Mick Moss, aliada ao ambiente denso e introspetivo criado ao vivo, reforçou a diversidade sonora do festival, mostrando as múltiplas facetas que o doom metal pode assumir e conquistando fãs que procuram uma experiência sonora mais profunda e contemplativa.
Os dinamarqueses Saturnus apresentaram um gothic doom atmosférico, fundindo melancolia e poesia em paisagens sonoras densas e envolventes. Com temas retirados de The Storm Within, exploraram questões como a perda, a solidão e a reflexão existencial. A presença de palco, carregada de intensidade, refletiu a profundidade emocional que caracteriza a banda. A iluminação e o cenário foram cuidadosamente pensados para criar uma atmosfera imersiva, transportando o público para o universo sombrio e contemplativo de Saturnus. Uma atuação que evidenciou a capacidade do grupo em despertar emoções profundas e duradouras. Formados em Copenhaga em 1991, os Saturnus tornaram-se uma das referências do doom metal europeu, reconhecidos pelo seu estilo melódico e profundamente emotivo. O álbum de estreia, Paradise Belongs to You (1997), marcou o início de uma carreira pautada por composições longas, letras introspetivas e uma sonoridade que combina o peso do doom com elementos neoclássicos e góticos. Ao longo das décadas, a banda manteve uma produção cuidadosa e esporádica, o que apenas reforçou o carácter culto do seu trabalho. Com Veronika Decides to Die (2006), inspirado na obra de Paulo Coelho, aprofundaram ainda mais a sua proposta artística, abordando a fragilidade humana com uma honestidade desarmante.
Os finlandeses Swallow the Sun assumiram o papel de cabeças-de-cartaz no primeiro dia do festival, oferecendo uma actuação que transitou entre o funeral doom opressivo e o gothic metal melódico. Com repertório de álbuns como The Morning Never Came e o mais recente Shining, a banda proporcionou uma experiência sonora rica em nuances e atmosferas densas. A voz de Mikko Kotamäki e os arranjos instrumentais criaram uma ambientação única que cativou o público. A iluminação foi cuidadosamente planeada para complementar a sonoridade, criando uma imersão completa. A interação calorosa com os fãs lisboetas reforçou a ligação entre banda e audiência. Uma actuação memorável e emocionante. Formados em 2000 na cidade de Jyväskylä, os Swallow the Sun rapidamente se destacaram na cena doom europeia graças ao seu álbum de estreia, The Morning Never Came (2003), considerado um dos marcos do género na década. Ao longo dos anos, construíram uma discografia sólida e emocionalmente intensa, marcada por temas como perda, sofrimento e transcendência, abordados com uma sensibilidade rara dentro do metal extremo. A banda conseguiu manter uma identidade própria, mesmo ao explorar diferentes facetas sonoras, consolidando-se como um dos nomes mais respeitados do doom metal contemporâneo.
Os italianos Invernoir apresentaram-se com uma atuação envolvente e carregada de emoção, onde a sua fusão única de doom metal, gothic metal e death melódico criou uma atmosfera densa, melancólica e profundamente introspetiva. Com uma sonoridade que remete tanto para a tradição do doom europeu quanto para influências mais modernas e etéreas, a banda conseguiu equilibrar peso, melodia e lirismo com uma elegância sombria. O concerto teve como foco principal temas do seu mais recente trabalho, Aiming for Oblivion, um álbum que mergulha profundamente em estados de espírito como o desespero, a perda, a saudade e a contemplação da finitude. As guitarras arrastadas e melódicas, entrelaçadas com vocais guturais e limpos, construíram paisagens sonoras que oscilavam entre o etéreo e o esmagador, convidando o público a uma viagem emocional que nunca soou forçada, mas sim dolorosamente humana. A presença de palco da banda revelou uma intensidade poderosa, onde cada gesto e cada expressão pareciam ecoar o peso emocional das letras. A conexão genuína com o público foi evidente desde os primeiros acordes. Houve uma comunhão palpável entre banda e audiência, alimentada por uma entrega sincera. O concerto dos Invernoir revelou-se uma experiência sonora poética e envolvente que se destacou pela capacidade de tocar as profundezas emocionais com sensibilidade.
No Under the Doom 2025, os Why Angels Fall provaram por que são uma das bandas mais respeitadas da cena portuguesa de rock atmosférico e progressivo. A sua actuação foi uma verdadeira viagem sonora, onde riffs elaborados, guitarras limpas e paisagens sonoras introspectivas captaram a atenção do público desde o primeiro acorde, numa performance que deixou a audiência rendida à profundidade e intensidade do grupo. Para assinalar duas décadas de carreira, a banda acaba de lançar Dikranon, o primeiro capítulo da sua nova série Gustave Doré Collection. Este projeto ousado propõe uma reinterpretação da discografia dos Why Angels Fall, com versões alternativas e remisturas que oferecem uma nova luz sobre a sua música. Dikranon abre este ciclo com frescura e intensidade, trazendo uma nova camada de significado à canção originalmente gravada em 2004 para o EP …to the Sun. Inspirada pelo conceito filosófico da encruzilhada e da ilusão do movimento na existência humana, a faixa revisita uma das mais emblemáticas do grupo, agora com solos de guitarra limpos ao estilo de Gilmour e letras em português, recuperando a autenticidade original da escrita. A atuação no Under the Doom 2025 foi o palco perfeito para estrear este novo capítulo sonoro, com a banda a demonstrar não só a sua capacidade técnica, mas também a sua maturidade artística e sensibilidade, confirmando o seu lugar de destaque no panorama alternativo português.
Os romenos Clouds ofereceram uma atuação memorável, apresentando um doom metal atmosférico carregado de emoção e melodia. Com faixas do seu álbum Desprins, a banda construiu um ambiente sonoro denso e melancólico, onde a combinação de riffs pesados e melodias envolventes criou uma experiência intensa e cativante. A performance foi marcada por uma entrega sincera e uma presença de palco firme, que manteve a atenção do público do início ao fim. Destaque especial para o vocalista Daniel, cuja poderosa e expressiva interpretação vocal transmitiu toda a carga emocional das músicas, alternando com mestria entre guturais profundos e passagens mais melódicas, elevando a intensidade do concerto a um novo patamar. A dinâmica entre as partes mais agressivas e os momentos introspetivos permitiu que os Clouds explorassem toda a profundidade emocional das suas composições, envolvendo a audiência numa verdadeira viagem sonora. A conexão estabelecida com o público foi genuína, fruto da expressividade da banda e da qualidade das suas interpretações ao vivo. Este concerto destacou-se como um dos pontos altos do festival, evidenciando os Clouds como uma referência sólida no panorama do doom metal atmosférico contemporâneo.
Os italianos Forgotten Tomb trouxeram ao palco uma poderosa descarga de black/doom metal depressivo, caracterizado por um som cru, corrosivo e emocionalmente desolador. Conhecidos pela sua abordagem sombria e existencialista, o grupo explorou temas de desespero, niilismo e isolamento emocional, mergulhando o público num ambiente carregado e intenso. A atuação oscilou entre passagens arrastadas e opressivas, típicas do doom, e explosões de raiva e fúria black metal, entregando uma performance agressiva, visceral e profundamente catártica. Num festival onde prevaleceram sonoridades mais melódicas e acessíveis, os Forgotten Tomb representaram uma lufada de ar negro, criando um forte contraste através da sua estética crua, sem concessões e emocionalmente abrasiva. A sua ligação com o público foi direta e intensa, alimentada por uma presença em palco feroz e determinada, com os músicos a transparecerem um domínio absoluto sobre o caos que evocavam. Sem grandes interações verbais, mas com uma comunicação quase física através da música, os Forgotten Tomb ofereceram um dos momentos mais pesados e emocionalmente impactantes do festival, uma viagem sonora ao abismo que, apesar da sua densidade, deixou uma marca inegável na memória dos presentes.
Os britânicos My Dying Bride, veteranos com mais de três décadas de carreira, trouxeram ao palco uma atuação carregada de emoção e profundidade, reafirmando o seu papel fundamental na construção e evolução do género. A sonoridade única da banda, que combina elementos de death, doom e gothic metal com letras profundamente poéticas e introspectivas, consolidou o My Dying Bride como um dos pilares do chamado “Peaceville Three”, ao lado de Anathema e Paradise Lost. Ao longo dos anos, a sua capacidade de reinventar-se sem perder a essência emocional tornou-os uma referência incontornável para diversas gerações de fãs e músicos dentro do metal mais sombrio e atmosférico. Mesmo perante os imprevistos, como a ausência do vocalista Aaron Stainthorpe e problemas técnicos, a banda manteve viva a chama da melancolia e da intensidade que marcaram a sua trajetória, estabelecendo uma conexão sincera com o público. Essas histórias e trajetórias sólidas são o que mantêm o doom metal pulsante e em constante transformação.
No festival Under the Doom 2025, os portugueses Hyubris entregaram uma performance memorável, onde a sua fusão única de música com influências de música medieval, celta e rock atmosférico se fez sentir em toda a sua profundidade. Com um alinhamento focado nas músicas do seu mais recente álbum, Tormentos, a banda proporcionou uma experiência sonora rica e envolvente, marcada por atmosferas densas e emotivas. A voz angelical de Filipa Mota, acompanhada pela sua flauta e pela musicalidade intricada da banda, criou um ambiente singular: a intensa presença de palco e a interação calorosa com a plateia reforçaram a conexão emocional, tornando o concerto não só uma demonstração técnica, mas uma verdadeira comunhão entre banda e espectadores.
O Under the Doom 2025 foi muito mais do que um simples encontro entre fãs e bandas; foi uma experiência que ultrapassou o som, unindo pessoas através da intensidade e melancolia características do doom metal. O festival provou que, mesmo num panorama musical frequentemente marginalizado, a paixão e a autenticidade continuam a pulsar com força, renovando o género a cada acorde, a cada riff. Agora, resta acompanhar com entusiasmo o que está por vir, certos de que o doom continuará a desafiar e a fascinar todos aqueles que se aventuram pelas suas paisagens sonoras sombrias e profundas.
Antimatter
Saturnus
Swallow the Sun
Why Angels Fall
Clouds
Forgotten Tomb
My Dying Bride
Hyubris