METAPHORS: “O projeto nasceu do desejo de liberdade criativa e experimentação sonora”
Nascido da necessidade de explorar uma vertente mais livre, introspectiva e ambiciosa da criação musical, METAPHORS marca a nova etapa artística de Bruno Faustino — conhecido também pelo seu trabalho nos NEVER END. Sem abandonar a identidade metal, metalcore e grunge da sua banda principal, o músico abre agora espaço para um território instrumental mais conceptual, cinematográfico e emocional, onde textura, atmosfera e simbolismo assumem o papel central. O álbum de estreia, Event Horizon, funciona como uma viagem sonora que atravessa tensão, expansão e contemplação, inspirado por ideias de física, transcendência e transformação. Entre guitarras densas, camadas atmosféricas e uma produção inteiramente independente, METAPHORS revela-se como um projeto profundamente pessoal, onde cada faixa é um fragmento de paisagens internas em constante mutação.
Por Sandra Pinto
Nesta entrevista, exploramos as motivações por detrás deste novo universo, o processo criativo, os desafios técnicos e a visão que dá forma ao horizonte conceptual de “Event Horizon”.
O que te levou a criar o METAPHORS como projeto a solo, em vez de continuares apenas com a banda NEVER END?
A banda NEVER END é um projeto de paixão e amor ao metal. Tem uma identidade e características sonoras próprias associadas ao metal, ao metalcore e ao grunge. Como instrumentista, senti que havia uma parte de mim – musical, conceptual – que ainda não estava a ser plenamente explorada. Queria ter liberdade total para experimentar texturas, atmosferas, dinâmicas instrumentais sem a “expectativa de banda” ou de formato vocal/tradicional. Assim, decide criar este novo projeto, sem comprometer a banda e sem tingir o seu som original.
METAPHORS nasceu desse desejo de território mais livre: onde posso compor, gravar, produzir, decidir sozinho, e mergulhar num som mais cinematográfico / progressivo / ambicioso em termos de construção sonora. Não se trata de abandonar a banda, mas sim de complementar o meu caminho musical com algo que me permite outras vertentes.
Por que escolheste o nome “METAPHORS” e o que representa ele musicalmente?
O nome “METAPHORS” surgiu porque queria que o projeto funcionasse como metáfora para emoções, para estados de espírito, para paisagens internas ou externas, em vez de apenas “relatar” algo de forma direta e/ou visceral. Não quer dizer que não haja momentos de
explosão, no entanto, a ideia é que este projeto seja mais conceptual. Musicalmente, representa para mim a ideia de usar som e textura como símbolo: guitarras que sugerem vastidão ou colapso, camadas que simulam flutuações, contrastes que evocam tensão versus libertação. Em resumo: o nome é um convite a ouvir com atenção, a encontrar o “entrelinhas” nas músicas — não só o riff ou o groove, mas aquilo que ele pode “dizer” além do óbvio.
Quais foram as tuas principais influências musicais e filosóficas por trás do projeto?
É um pouco difícil responder a esta questão, pois eu acho que a minha produção musical nasce um pouco da síntese de tudo o que ando a ouvir. Naturalmente que neste trabalho reflete mais as influências de bandas com um registo instrumental. Talvez bandas como os Tool, Divinex, I Built the Sky, Intervals, Polyphia, Acadence e Widek tenham-me influenciado sem dúvida. Filosoficamente, talvez as ideias relacionadas com o desconhecido, simbólico, e transcendência estejam na base da matriz conceptual deste projeto e deste álbum. Por vezes,
acho que o som e a imagem alcançam significados mais profundos do que as palavras. Também ideias da física, do cosmos, da transição, da transformação, a passagem de um estado para outro, tenham estado presentes no meu pensamento enquanto compunha.
O título “Event Horizon” remete a um conceito de física. Como surgiu essa ideia e como se relaciona ela com a música do álbum?
Sim, sem dúvida, “Event Horizon” é um termo da física/astrofísica que, grosso modo, designa o limite à volta de um buraco negro a partir do qual nada (nem luz) pode escapar. Achei essa imagem extremamente interessante como ponto de partida para este projeto. Ou seja, o momento limite, o limiar entre o conhecido e o desconhecido, o “salto” ou o ponto sem retorno… Um bocado daquela ideia do irreversível.
Musicalmente, quis que o álbum tivesse essa sensação de que começou algo e que não há volta a dar. O título, naturalmente, pretende ser uma metáfora: atravessar um limiar, deixar algo para trás, flutuar no “espaço desconhecido” e aproveitar a viagem que é só de ida.
Como descreverias a experiência sonora de “Event Horizon” para alguém que ainda não ouviu o disco?
Diria algo como: procura ser uma viagem sonora que começa de forma tensa e evolui para algo mais etéreo, sem nunca perder o metal, e finaliza com sentimentos de preenchimento e pertença. Talvez uma imagem num vasto vazio com estrelas à volta, um motor que pulsa, guitarras que rasgam e depois ecoam, silêncio que pesa. Há momentos de “peso”, técnica e contemplação. Se tivesse de usar três adjetivos: expansivo, denso e emocional.
Cada faixa tem uma história ou conceito específico ou o álbum deve ser sentido como um todo contínuo?
A resposta honesta: ambas as coisas. Acho que o ouvinte deve descobrir isso por si próprio. Ou seja, vejo perfeitamente algumas pessoas a gostarem apenas de algumas “histórias – faixas” e algumas pessoas a gostarem da narrativa geral do álbum. Aliás, o feedback que tenho
tido é exatamente esse… já me disseram: “Bruno, o álbum está incrível”, mas também já me disseram, só gosto da terceira e da quarta música”. Bom, a ideia é mesmo essa, cada um constrói a relação e valoriza o álbum de acordo com as suas sensibilidades e afinidades musicais.
Que emoções ou imagens esperas que o ouvinte sinta ao ouvir o álbum?
Um pouco na senda da resposta anterior, espero que as pessoas gostem à sua maneira e que experienciem o algum de forma única e íntima. Eventualmente, ideias e imagens relacionadas com a vastidão (algo maior que nós), tensão entre o estar e o ir, a contemplação e a transformação. Se no final do álbum alguém pensar “fui levado a outro lugar” ou “acho que senti algo que não esperava”, para mim está ótimo.
Como é o teu processo de composição: escreves primeiro riffs, atmosferas ou ideias conceptuais?
Tal como na composição para os NEVER END, o processo é caótico e/ou híbrido: às vezes começa com um riff/guitarra que me passa na cabeça ou aparece quando estou a tocar, outras vezes com uma atmosfera ou textura (sintetizador, uma pedaleira de delay, etc.), e por vezes
com uma ideia conceptual (ex.: “quero um tema que passe de caos a calma”). Depois, invisto e desenvolvo: faço esboços, vejo como funciona a bateria, as guitarras, a harmonia. Faço gravações “caseiras” para mapear camadas e testar as várias camadas, até a música ter um formato que considero interessante e que alguém (para além de mim) possa gostar e querer voltar a ouvir. Uso especialmente o teste do tempo: se o riff/música continuar a evocar as sensações/sentimentos/ideias em mim depois de algum tempo, então talvez tenha potencial para ser mesmo trabalhado a sério.
Produzir o álbum de forma independente trouxe desafios específicos? Se sim, quais?
Sim, foi extremamente desafiante. Sempre investi muito na guitarra, na voz, nas letras, composições, etc… Mas nunca investi muito na parte “técnica”, ou seja, nas gravações/captações, mistura, masterização, etc. Mas meti mãos à obra e fui tirar um curso de mistura e masterização e fiz tudo sozinho, captações, misturas e masterização. Isto fez com que o lançamento do álbum fosse sendo adiado, mas penso que não haveria outra forma de o fazer. No fim, para quem fez isto tudo sozinho, estou bastante satisfeito.
Que equipamento ou técnicas utilizaste para criar as camadas de guitarra e a densidade sonora do disco?
Posso destacar alguns aspetos que usei para criar alguns dos ambientes das músicas:
– Guitarras de sete cordas/tunings mais baixos para alcançar “peso” nas partes graves. – Pedais de delay, reverb e moduladores para criar texturas atmosféricas e “espaços” entre as camadas.
– Layering: múltiplas pistas de guitarra — umas focadas em riff, outras em “paisagem sonora” (arpejos, harmonias, efeitos).
– Mixagem: atenção especial à distribuição espacial (panning), à dinâmica (partes mais íntimas vs. partes amplas) e ao “espaço de fundo” (silêncios, ressonâncias).
– Masterização: garantir que mesmo os momentos calmos têm presença, e que os momentos densos não saturam de forma indesejada.
O teu som tem influências de Tool, Intervals e I Built the Sky. Há alguma banda ou artista que tenha sido decisivo para este projeto?
Talvez alguns guitarristas solo que também tenho ouvido, como, por exemplo, o Kiko Loureiro, o Paul Gilbert, o Steve Vai e o Joe Satriani. De alguma forma, todos tenham contribuído para este trabalho.
Costumas ouvir outros géneros musicais fora do metal instrumental para te inspirar?
Tento ouvir outros géneros, sim, mas confesso que tudo o que saía do rock/metal e seus derivados é mais “denso” para eu ouvir. Mas sem dúvida que há um ganho criativo em ouvir outros géneros musicais.
Tens planos de expandir o METAPHORS para apresentações ao vivo ou manter como projeto de estúdio?
Bom, isto ainda não foi bem pensado, mas eventualmente pode acontecer. Vamos ver como é que as coisas correm em termos de procura e interesse. Há vários fatores a ter em conta (logística, músicos de apoio, visual, som ao vivo vs estúdio). Por agora vou mantendo como projeto de estúdio, mas nunca se sabe…
Podemos esperar novos álbuns ou colaborações no futuro próximo?
Definitivamente sim, até porque já estou a trabalhar em ideias para o próximo álbum. Quanto a colaborações: sim, estou aberto. Gosto da ideia de convidar outros músicos que tragam texturas diferentes — seja voz (mesmo que parcial), seja instrumentista, seja produção colaborativa. Aliás, a música nove (At the mountain) conta com as colaborações de Paulo Aparício e do Frederico Silva, que me ajudaram a trabalhar esta música. Mas tudo continuará com a identidade METAPHORS: densidade, ambiência, exploração.
Que mensagem ou sensação gostarias que os pessoas levassem consigo após ouvir METAPHORS?
Gostaria que levassem algo como: “Senti-me transportado”, “Ouvi algo que me fez pensar ou sentir de forma diferente”, “Houve momentos de respiração, de tensão, de libertação”. A sensação de que a música foi um veículo para algo maior, não necessariamente explicável, mas experiencial. Talvez que saíam dessa audição com a consciência da existência de uma paisagem interior ou uma nova/renovada.
Existe alguma faixa do álbum que tenha uma história ou significado pessoal especial para ti?
Todas elas têm um significado muito especial.
Se tivesses de escolher uma faixa para definir o METAPHORS, qual seria e porquê?
Talvez a segunda faixa (“Arrival”) por simbolizar a chegada deste novo projeto e por ter várias camadas sonoras. Esta faixa tem solos, densidade sonora, ambiência, transição dinâmica – e talvez por isso possa ser” como cartão-de-visita do projeto.
Que desafios encontraste ao transitar do vocal e guitarra do NEVER END para um projeto instrumental solo?
Não senti grandes desafios, pois o processo de elaboração das músicas foi construído sobre a ideia de que as dinâmicas instrumentais têm de “carregar” a narrativa da canção. Eventualmente, aqui há uma maior necessidade de introduzir harmonias e camadas que preencham o vazio de uma ou várias vozes. Por exemplo, para fazer isto fui compondo pequenos solos/riffs que complementam e aprofundam o tecido sonoro e eventualmente tornam as músicas mais compostas e profundas, sem se sentir a necessidade de uma voz.