Inês Sousa: “Mikado, o desejado (por mim); é assim que consigo resumir este disco num cognome”

Com o lançamento do seu primeiro disco a solo, Mikado, Inês Sousa revela um universo musical marcado por delicadeza, intensidade e uma cuidadosa teia de referências sonoras e emocionais. Entre indie pop, melodias densas e letras que exploram amor, desamor e reconstrução, o álbum surge como um autorretrato sensível e sofisticado, resultado de anos de experiências e colaborações com músicos de confiança.

Por Sandra Pinto

Ao longo da entrevista, Inês Sousa fala-nos da criação do título, das inspirações por detrás das canções, do trabalho em estúdio e do desafio de transportar este universo para os palcos, oferecendo um olhar íntimo e revelador sobre o seu processo criativo e a sua visão artística.

O título “Mikado” é curioso e tem duplo significado — o jogo e o tecido. Como surgiu essa escolha e que ligação tem com o universo das canções?
A última música do disco, Carne Viva, tem a única letra que não é 100% de minha autoria, divido-a com o João Correia (Joca) , um dos produtores do meu disco. A parte da letra escrita pelo Joca incluía a palavra Mikado, mas não se referia ao jogo, referia-se ao tecido Mikado, que eu desconhecia. Fui ler sobre isso e descobri que o tecido mikado é bastante usado em vestidos de noiva. Essa parte da letra acabou por ser cortada, pois tivemos de reduzir a letra, mas a imagem ficou. Como tenho várias letras com alusões à imagem de tecer ou a laços, achei que podia ser um bom título. Esta é a explicação bonita e poética, mas a verdade é que, antes de começarmos sequer a pensar no nome do disco, já o nome do nosso grupo de whatsapp era Mikado.

Este é o teu primeiro trabalho a solo. Que tipo de desafios e descobertas encontraste neste processo de te assumires como autora principal?
Diria que musicalmente não senti imensos desafios, provavelmente por estar a trabalhar com músicos com quem trabalho já há muitos anos e em quem confio inteiramente. Toda a parte mais extra musical é que foi um bocadinho mais desafiante, é estranho ter a responsabilidade de uma série de decisões centrada em mim.

O álbum foi “jogado a seis mãos” com João “Joca” Correia e António “Tony” Vasconcelos Dias. Como foi essa colaboração?
Não poderia ter corrido melhor. Somos amigos há muitos anos, somos quase família, e essa proximidade e cumplicidade, aliada ao respeito mútuo profissional e pessoal que temos uns pelos outros foi determinante neste processo todo. Admiro-os muito como músicos, produtores e arranjadores.

Há uma coerência muito forte entre os temas e o som do disco — foi algo planeado desde o início ou resultado natural da gravação?
Essa coerência estava nos planos desde o início, mas a sonoridade que conferiu essa coerência foi resultado natural da gravação. Este disco demorou 6 anos a ser feito, quase todas as músicas passaram por várias fases e experiências de arranjos até chegarmos ao resultado final. Foi nessa procura que descobrimos aquilo que acabou por ser o som do disco.

Em “Mikado” há uma mistura de indie pop, melodias delicadas e letras intensas. Que referências ou artistas te inspiraram neste equilíbrio?
Podia fazer uma lista gigante, mas vou tentar ser objetiva! A Fiona Apple é uma inspiração antiga que se mantém até hoje. O “When the pawn…” é capaz de ser o disco que mais ouvi na vida. Na fase em que compus a maioria das canções do disco andava a ouvir muito o primeiro disco do Tim Bernardes e sei que me inspirou bastante. Foi também nessa altura que descobri a Madison Cunningham, compositora/guitarrista/cantora incrível. Entretanto ela lançou um disco chamado “Revealer” que eu e o Tony ouvimos bastante e que também nos inspirou muito, principalmente no som das guitarras. Também neste campo guitarristico, o guitarrista Blake Mills também foi uma referência para nós. Num plano mais geral, partilhamos os três (eu, Joca e Tony) várias referências que certamente devem ter transpirado para as canções deste disco, como os Beatles, Harry Nilsson, Beach Boys, etc. No campo das letras, sou apaixonada pela escrita do Chico Buarque, Sérgio Godinho, João Monge, Carlos Tê, Aldir Blanc…

“Guerra Fria” é descrita como uma fight song de quem não tem perfil para discussões. Que “batalhas” te inspiraram a escrevê-la?
Não me inspirei em nenhuma “batalha” real, mas ao mesmo tempo não é totalmente ficção. Eu não tenho mesmo perfil para discussões, então decidi imaginar uma situação em que uma pessoa com esta característica está numa relação com uma pessoa que tem o perfil oposto e como viver num ambiente de constante conflito faz com que ceda à pressão e à raiva e acaba por “ir à guerra”. Na canção ela ganha a “batalha”.

O videoclipe, realizado por Ricardo Reis, tem uma dimensão cinematográfica. Qual era a ideia principal que querias transmitir visualmente?
Não quis fazer um vídeo que sublinhasse a narrativa que já nos chega pela letra. A minha ideia era que este vídeo mostrasse o que vem depois. E também achei que era o pretexto perfeito para usar um vestido de noiva que comprei impulsivamente pela Vinted numa insónia. Custou 25€.

Existe uma narrativa contínua entre os três singles — Tornado, Ainda e Guerra Fria? Há uma espécie de trilogia emocional?
Se existe, é acidental! Mas gosto de encontrar ligações não intencionais entre as canções, e, de facto, não é difícil estabelecer uma ligação entre estas três canções. Mas para fazer sentido (para mim) teríamos de mudar a ordem: Tornado, Guerra Fria, Ainda.

A canção parece falar de força e vulnerabilidade ao mesmo tempo. É uma marca tua enquanto compositora?
Não consigo fazer essa autoavaliação! Mas é uma marca que adorava ter!

Quando começas uma canção, costumas partir de uma melodia, de uma frase, ou de uma emoção?
Depende, mas geralmente começo pela melodia e depois escrevo a letra por cima dessa melodia.

Como multi-instrumentista, de que forma o domínio de vários instrumentos influencia a tua escrita e arranjos?
Eu sou uma multi-instrumentista batoteira, porque não toco nenhum instrumento bem. O piano é aquele em que estou mais à vontade e é aí que componho a maioria das canções.

Gravaste o disco com banda ou foste construindo as canções em camadas no estúdio?
Fomos construindo o disco por camadas no estúdio.

Houve alguma música que te deu mais luta para ficar “no ponto”?
Sim! O “Tornado” esteve quase para ficar de fora e a “Guerra Fria” também esteve uns tempos no limbo.

Qual foi o momento mais marcante ou surpreendente durante a criação do álbum?
Ver as canções a ganhar forma e testemunhar a criatividade do Joca e do Tony foi muito incrível.

Antes deste disco, participaste em vários projetos — Julie & The Carjackers, Afonso Cabral, Tipo. O que levaste dessas experiências para Mikado?
Todas as pessoas com quem trabalhei (e trabalho) me inspiram de uma forma ou de outra! No caso de Julie & The Carjackers levei não só inspiração, como  a minha banda toda! O Joca era cantor principal, guitarrista e um dos compositores de Julie, o Tony era o baterista e o Pedro Pinto, baixista da minha banda, chegou a fazer parte de Julie a dada altura.

Há algo que aprendeste como “companheira de palco” que agora aplicas como líder do teu próprio projeto?
Não sei bem… Até agora, no campo da música, não tenho sentido grande diferença. Acho que continuo a ser companheira de palco!

Tens planos para colaborações futuras ou duetos em novas canções?
Tenho algumas ideias, mas ainda está só no plano dos planos.

O concerto de estreia vai acontecer na Bota Anjos, em Lisboa. O que o público pode esperar deste espetáculo?
Vamos tocar o disco na íntegra, e vai haver algumas surpresas! Estou cheia de vontade de levar este disco para os palcos!

Como estás a adaptar as canções de estúdio ao formato ao vivo?
Tentámos ao máximo não desvirtuar os arranjos que estão no disco. Há algumas adaptações, mas mantendo sempre o universo sonoro que podemos ouvir no Mikado.

Que sensação esperas ter quando tocares estas músicas pela primeira vez num palco só teu?
Espero sentir um misto de alegria e realização! Estou ansiosa por este concerto há já algum tempo! Sei que vou estar rodeada de amigos, no palco e fora dele, por isso tenho a certeza que vai ser uma noite linda.

“Mikado” fala muito sobre amor, desamor, reconstrução… Sentes que o álbum é também uma espécie de autorretrato?
Apesar de não ser biográfico de forma literal, a escrita, mesmo quando é ficção, é sempre contaminada pela vida, ideias e experiências de quem a escreve.

Como vês o papel das “novas vozes” na música portuguesa atual — sentes uma comunidade, uma geração?
Sim. Acho que existem focos ou famílias/comunidades muito interessantes na música portuguesa atual. A “família” Cucamonga, por exemplo, ou a louva-a-deus, família que derivou naturalmente da antiga família Pataca, que é aquela de que faço parte. É natural que pessoas e bandas com universos musicais semelhantes tendam a agregar-se, sem com isso antagonizar as outras famílias musicais. A prova disso são as colaborações que vão acontecendo e que, a meu ver, só enriquecem o panorama musical português.

Se tivesses de descrever Mikado numa só frase, qual seria?
Acho que não consigo descrevê-lo numa frase! Mas consigo dar-lhe um cognome! “Mikado, o desejado (por mim)”.

O que mais te emociona neste momento em que o disco finalmente chega ao público?
Estou a adorar a sensação de saber que pessoas que não conheço gostam muito de músicas que escrevi na minha casa, provavelmente de pijama!

E já pensas no que virá depois de Mikado?
Sim! Sou uma das compositoras convidadas para o festival da canção de 2026, por isso em Fevereiro lá estarei na RTP com uma música nova! Entretanto já temos umas quantas músicas novas para trabalhar para integrar nos concertos que aí vêm e, quem sabe, no próximo álbum.

Foto: Cláudia Manuel Silva

concerto de lançamento de “Mikado” é no dia 20 de Novembro às 21h00 na Bota Anjos em Lisboa (mais informações aqui).

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