Entrevista: “Estou a começar a segunda metade da minha vida e da minha carreira”, Mike El Nite sobre “Simplesmente Miguel”
Depois de mais de uma década a dar voz a Mike El Nite, Miguel Caixeiro assume agora uma nova identidade artística — mais íntima, romântica e desarmada: Simplesmente Miguel. Esta nova fase não é apenas um recomeço, mas uma continuação amadurecida de um percurso criativo onde o existencial e o sensual se encontram, onde a ironia dá lugar à emoção e onde o entertainer revela o homem por trás do palco.
Por Sandra Pinto
Nesta conversa, mergulhamos nas motivações e transformações que moldam este capítulo, desde a influência do projeto David & Miguel até ao nascimento de um som cinematográfico que junta city pop, filosofia e vulnerabilidade. Afinal, ao pensar na vida, Miguel apaixonou-se por ela — e convida-nos a fazer o mesmo.
O que te levou a criar o alter ego Simplesmente Miguel? O que distingue este Miguel do Mike El Nite que já conhecíamos?
Esta nova nomenclatura representa o trajecto que percorri desde o meu último disco a solo, período que abrange o disco em parceria com David Bruno: “Palavras Cruzadas” que teve o célebre single “Inatel”. Ora nesse projeto damos pelo nome de David & Miguel, e aí descobri uma nova forma de estar nas canções, como cantor romântico e não como rapper. Esse foi o momento decisivo desta nova fase em que eu adorei explorar a composição de letras e linhas melódicas vocais de uma nova forma. E David & Miguel sem David, é Simplesmente Miguel. Também remete para uma abordagem mais honesta e aberta em que me exponho mais intimamente com o ouvinte. E sem esquecer a influência da minha querida Rebeca que tem na sua discografia um disco chamado Simplesmente… Rebeca.
Estás a celebrar quase uma década de carreira. Este novo capítulo é mais um recomeço ou uma síntese de tudo o que foste até agora?
Na verdade, é uma década sobre o primeiro longa-duração, porque, de facto, já lá vão 13 anos de Mike El Nite. Sinto que está a começar a segunda metade da minha vida e da minha carreira em simultâneo, com mais clareza e maturidade e mais ferramentas para me expressar, assim como mais segurança na visão artística e conhecimento do que implica manifestá-la. Não deixa, no entanto, para trás tudo o que já fui, é como um update do produto com profundas atualizações quanto ao design.
“Existencisensual (É complicado)” é uma fusão de filosofia e sensualidade. Como é que se encontra esse equilíbrio entre o existencial e o romântico numa canção?
Juntei a caneta filosófica e autoanalítica a uma sonoridade jazzística e elegante. Num instrumental em que tipicamente ouviríamos falar de amor e sedução, está um tipo a tentar fazer as pazes consigo mesmo e a pesquisar no seu íntimo pelo caminho a seguir.
A frase “ao pensar na vida, apaixona-se por ela” é o ponto de partida do single. Esta ideia surgiu de um momento específico?
Surgiu quando fiz o exercício de tentar visualizar a palavra no dicionário. Como seria a definição priberam? Queria que a definição explicasse a palavra, mas também a minha intenção poética.
Musicalmente, o álbum mistura referências bem diversas — de italo-disco a city pop japonês. Como foi o processo de construção deste universo sonoro tão cinematográfico?
Ao longo destes anos tenho trabalhado muito como Dj e isso permite-me estar exposto a muita música diferente, com o desafio de tentar misturá-la na pista de dança. Esse processo mostrou-me que a diferença entre géneros musicais tem um cariz muito mais comercial e de mercado do que propriamente musical ou artístico. Embora os detalhes sejam a diferença, toda a música tem origem num número
limitado de acordes e estruturas, e assim como japoneses se inspiram no funk e soul inventando uma coisa nova, os mediterrâneos usaram o disco para fazer música popular, ou os brasileiros criaram o funk a partir do hip hop e eletrónica americana. No mundo global, todas estas misturas estão à distância de um clique o que criar uma paisagem muito diversa onde quase tudo é possível, é uma boa era para criar.
O videoclipe mostra-te sozinho num palco, com uma luz intensa sobre ti. Foi uma metáfora pensada para representar esta nova fase mais íntima?
A ideia é apresentar-me como o artista de variedades, o cantor residente de um qualquer bar de música ao vivo na Lisboa dos 80s e 90s, ou até o entretainer de hotel ou de cruzeiro, destinado a entreter o público, mas que tem a sua viagem interna que nem sempre está no mesmo comprimento de onda que a externa. É um convite ao imaginário daqueles que trabalham para alegrar a vida dos outros,
mas que também têm as suas aflições e dúvidas “existencisensuais”.
Sentiste necessidade de despir camadas – visuais, sonoras ou emocionais – neste projeto?
Na verdade, eu quis mais camadas no que toca à produção dos temas, mais complexidade instrumental, mais momentos diversos, solos, bridges, coisas que estão a desaparecer da música pop. Felizmente o meu querido amigo Baco, que coproduz comigo, percebe e reproduz a minha visão com um grau de proximidade inédito na minha carreira. O verdadeiro desafio foi desmascarar-me para o público, mas foi um
processo que me permitiu desmascarar-me também ao espelho e ser honesto comigo próprio.
Dizes que agora há uma proximidade total com o público. O que mudou na tua relação com quem te ouve?
Acho que a principal diferença está em mim e na minha abordagem, a relação com o público diria que é precoce avaliar, mas espero que se sintam em casa dentro das minhas ideias, que desconfio que sejam, em grande parte, partilhadas com a maior parte das pessoas que anda aqui a tentar viver bem sem livro de instruções.
Esta fase mais confessional e romântica é também um convite a que o público se reveja em ti?
Talvez, mas mais que isso, é um convite a que todos viajemos internamente para nos conhecermos ao ponto de nos amarmos e sermos bons companheiros de nós mesmos, acho que isso é um bom ponto de partida para nos darmos bem uns com os outros.
Depois deste “date com a vida”, o que podemos esperar dos próximos passos de Simplesmente Miguel? Há mais surpresas já a caminho?
Estou a preparar mais coisas que foram feitas ao longo dos últimos dois anos e estou muito entusiasmado e curioso para ver a reação de quem ouvir. Obrigado a todos, e a vocês por esta entrevista.