Entrevista: “A efemeridade é a omnipresença do efémero, tudo é demasiado e rapidamente transitório”, EVOLS
The Ephemeral é o mais recente álbum dos EVOLS, um trabalho que mergulha profundamente na noção de efemeridade, aquela sensação de transitoriedade presente em vários aspetos da vida contemporânea. A banda explora temas existenciais, emocionais e sonoros, refletindo sobre a rapidez com que tudo parece passar, desde as tendências musicais até as próprias experiências e relações humanas, num mundo cada vez mais dominado pela tecnologia e pela necessidade constante de estímulos. Com uma sonoridade rica e multifacetada, que mistura referências barrocas, psicadélicas e pop, o disco cria um universo próprio, quase como uma narrativa fechada, onde cada faixa conta uma história distinta, carregada de camadas e texturas. A colaboração com músicos convidados como Rodrigo Amado, Sara Macedo e Calcutá traz novas dimensões ao som, enquanto a banda mantém uma abordagem orgânica e clássica, fruto de longos ensaios e de um trabalho detalhado em estúdio.
Por Sandra Pinto
The Ephemeral reflete o equilíbrio entre o excesso e o desaparecimento, o ornamento e a simplicidade, propondo uma viagem sonora que convida o ouvinte a uma experiência que é, simultaneamente nostálgica e futurista. Ao vivo, os EVOLS prometem transformar este universo complexo em momentos intensos, mantendo o compromisso com a autenticidade e a energia que caracteriza a banda.
O título “The Ephemeral” remete à ideia de transitoriedade. Que tipo de efemeridade quiseram explorar neste álbum — emocional, sonora, existencial?
A efemeridade é um conceito com aplicações muito vastas mas penso que estamos a falar na omnipresença atual do efémero, onde nada parece ser feito para durar, onde tudo é demasiado e rapidamente transitório ou instantâneo: o tempo, a gratificação, o foco, o assunto do momento. Mesmo a música que hoje é produzida parece passar muito rápido de moda, a banda sensação que na semana seguinte já deu lugar a outra…. são tempos estranhos aqueles em que vivemos. A capa do disco é também fortemente irónica em termos de iconografia.
O disco parece ter uma narrativa própria, quase como se fosse um universo fechado. Que histórias ou atmosferas quiseram contar ou evocar ao longo das oito faixas?
Cada canção tem uma história ou personagem. É verdade que todo o disco é carregado de um certo existencialismo, talvez por questões pessoais ou como resposta àquilo que nos rodeia. Acho que este século está marcado por uma rápida evolução tecnológica mas ao mesmo tempo não somos mais felizes do que as gerações que nos precederam. É como se tecnologia nos trouxesse profundos avanços em determinadas áreas mas criando também muitas ilusões do que a vida “poderia” ser, onde se cria a necessidade de expor a nossa vida nas redes sociais, a necessidade de estímulos constantes, de novidades e afastando-nos da fruição do momento presente, onde optamos por filmar ou fotografar em vez de experienciar.
Há uma convivência rica entre referências barrocas, psicadélicas e pop, como se deu essa orquestração de estilos? Foi algo pensado desde o início ou surgiu organicamente?
Logo no início da composição das primeiras canções deste disco havia pistas para novas sonoridades, onde os synths ganhavam um novo destaque. Em termos de letras havia uma urgência de falar de certos temas que nos afetavam. É na sala de ensaios que todos estes elementos vão sendo trabalhados, nesse sentido somos uma banda clássica que procura ensaiar todas as semanas e desse trabalho continuado há ideias que vão ficando pelo caminho até chegarmos aos temas que fazem um disco. É como se a sala de ensaios funcionasse como uma espécie de filtro que vai depurando o som de cada canção. Nesse sentido, é um processo completamente orgânico e clássico.
Qual é a relação entre o som ‘ornamentado’ do álbum e a ideia de finitude sugerida pelo título? Há aqui uma tensão entre excesso e desaparecimento?
Pensamos que hoje as bandas vivem uma situação estranha pois com o streaming tudo se tornou demasiado acessível, muitas escolhas, playlists desenhadas de acordo com as nossas preferências, daí que o elemento novidade já não faz sentido, tudo é novo, tudo é naquele momento mas rapidamente transitório. Na gravação deste disco, e julgo que em todos os discos dos evols, nunca pensamos em singles ou as músicas que vão passar na rádio. Pelo contrário, trabalhamos todas as canções como se fossem iguais e merecedoras de atenção. Aliás, o disco é feito como um todo, como uma espécie de viagem. Talvez seja pedir demasiado nos tempos de hoje… será que ainda faz sentido gravar um álbum ou apenas singles? Por isso é que para nós o processo de gravação é algo do qual tiramos prazer como se estivéssemos a gravar o disco que gostaríamos de ouvir.
As músicas mantêm estruturas simples mas abrem espaço para muitos detalhes e camadas. Como equilibraram a acessibilidade pop com a complexidade dos arranjos?
Apesar da aparente simplicidade, as canções têm imensas camadas, por vezes muito subtis, mas que exigem muito tempo de estúdio, imensos takes e muito tempo na mistura. No fundo, o estúdio é o nosso laboratório de ensaio, onde podemos trabalhar camada a camada. Ao vivo, algumas dessas camadas são impossíveis de reproduzir pois exigiria um ensemble de músicos mas, por outro lado, esse lado mais despido e cru dos concertos é também desafiante pois a energia é outra.
O saxofone de Rodrigo Amado e as vozes de Sara Macedo e Calcutá contribuem com texturas muito distintas. Como surgiu essa colaboração e o que trouxe ao universo do disco?
O Rodrigo Amado surge pela admiração que temos por ele enquanto músico mas também por amizade pessoal devido a afinidades no mundo da fotografia. Quando lhe lançamos o desafio era para um tema pois não queríamos abusar mas o Rodrigo Amado foi incrível e enviou-nos quatro temas. A Sara Macedo e a Calcutá para além de serem excelentes intérpretes, trazem a possibilidade de contraponto à voz do Vitor, trazendo assim novas harmonias e nuances que uma só voz masculina não consegue transmitir. Estes convidados para além do seu talento musical, aportam também a sua sensibilidade às nossas canções, sendo que já sabíamos de antemão quais os temas que podiam ser enriquecidos por essas participações.
“Arp Drama” abre o álbum com velocidade e intensidade foi pensada como manifesto estético?
É um tema que marca logo o tom do disco e nesse sentido sempre nos pareceu que era uma escolha óbvia para abrir o disco. Nesse sentido, funciona como uma espécie de alerta para a viagem que segue que vai ser vertiginosa, ou pelo menos, assim o esperamos.
“Actress” tem um equilíbrio entre melodia e ornamentação. Consideram-no um “single” representativo do disco?
É engraçado mas a escolha do single não foi fácil pois todos os membros da banda tinham a sua música preferida. Curiosamente, esta reuniu o consenso de todos. Em termos de letra, é também um dos temas que encaixa na perfeição da ideia da efemeridade, nesta caso no sentido de dedicarmos o nosso tempo precioso a coisas que não fazem grande sentido como empregos mal pagos ou que nos roubam a alma…
Este é o quarto longa-duração dos EVOLS. Que transformações sentem na vossa identidade sonora ao longo dos discos até chegarem a The Ephemeral?
Penso que desde o primeiro disco enquanto trio de guitarras até este disco novo tentamos sempre acrescentar algo novo ao nosso som, não no sentido de estar sempre a inovar, mas em evoluir. As entradas e saídas de alguns elementos para a banda ao longo destes anos foram trazendo também ideias novas mas também mantendo a identidade musical da banda que ainda mantém raízes que já estavam no primeiro disco, como o som das guitarras, a forma de cantar e compor. Nesse sentido, este disco representa um passo novo, com novas sonoridades e influências mas mantendo algo do nosso DNA.
O álbum parece ser simultaneamente nostálgico e futurista, como dialogam com o passado musical sem se tornarem revivalistas?
Acho que é inevitável olharmos sempre para o futuro, quanto mais que já não somos uma banda de jovens mas não queremos estar presos ao revivalismo. Continuamos a ouvir coisas antigas em paralelo com bandas novas que descobrimos todos os anos. Nesse sentido, estamos sempre a renovar o nosso catálogo de influências. Por um lado, a ideia de ter uma banda parece algo anacrónico nos tempos modernos mas não sabemos fazer música de outra forma. Quando estamos a carregar os carros para dar um concerto com bateria, amps, teclados, guitarras, parece-nos que estamos “fora do tempo” mas continuamos a ter gosto em tocar como um grupo, em ensaiar e compor como um colectivo. Já passamos tanto tempo em frente aos computadores nos nossos trabalhos que fazer música em computadores nos parece uma extensão dessa “prisão” tecnológica.
Costumam falar do vosso som como “rock de onda negativa”. Podem explicar essa definição? Ainda faz sentido para este disco?
Penso que os nossos discos são aparentemente simples mas nascem de uma cultura musical diversificada de cada um dos membros da banda e essa diversidade leva a que as canções incorporem influências díspares de cada um, dando origem a canções com várias camadas sonoras. O lado talvez mais “pesado” do nosso som tem a ver com os tempos que vivemos que não são nada risonhos… daí que a música seja por um lado um refúgio mas também um local onde se expressa um certo desalento com o que vemos à nossa volta. Como diz a letra de uma canção do nosso segundo disco “we need a shelter, we need our own shelter, to be on our own”. Esperamos que as nossas músicas também possam ser um “abrigo” para alguns dos que nos ouvem.
O disco sai pela Black Train e será distribuído pela 8 mm. Como tem sido a colaboração com estas editoras?
O convite para lançar o disco surgiu depois de já o termos gravado e ficamos contentes que a Black Train se tenha mostrado entusiasmada em lançar o disco pois estávamos preparados para uma nova edição de autor. No fundo, é um reconhecimento do trabalho que andamos a fazer há mais de uma década e sempre com total liberdade criativa.
Decidiram também lançar o disco em vinil. O formato físico ainda vos diz algo enquanto banda?
Para nós é o único formato que ainda faz sentido. O streaming é imaterial e não deixa registo. Um disco em vinil é como um livro, fica e pode passar de geração em geração. Quem sabe se daqui a 100 anos não anda em lojas de velharias ou mercados em segunda-mão ou é descoberto na coleção de discos de um familiar, é uma ideia que nos agrada. O lado físico e táctil de um vinil é incomparável, exige o tacto humano e tempo para a sua fruição. Dá trabalho mas vale a pena.
A tour arranca no Porto e Lisboa. O que podemos esperar dos concertos de apresentação? Vão tentar traduzir a complexidade do disco ao vivo ou preferem outra abordagem no palco?
A nossa ideia é tocar o disco todo, até porque nós mesmos estamos entusiasmados com a novidade de tocar estes temas ao vivo. Vamos tentar ter alguns dos convidados do disco sempre que isso se justificar e as agendas pessoais o permitirem. Uma coisa é segura nos nossos concertos: vamos tocar a volumes consideráveis!
Como é que o público pode “observar” The Ephemeral ao vivo? Há surpresas preparadas para esta tour?
Ainda estamos a trabalhar nisto pois cada sala apresenta as suas complexidades, e por vezes a falta de equipamento condiciona algumas das possibilidades visuais que imaginamos para o universo visual deste disco. Vamos a ver como corre.
A banda iniciará, em outubro, uma tour de apresentação do disco, estando já marcadas as datas no Porto, Understage do Rivoli a 31 de outubro (detalhes e bilhetes), e na Casa Capitão, em Lisboa, a dia 5 de dezembro.