“Transformar dor em propósito; é isso que ‘Omniscience’ representa”, Godark

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Com uma sonoridade que habita o território entre o melodeath e o metal progressivo, os Godark regressam com Omniscience, um álbum que mergulha fundo nas fronteiras da consciência, da dúvida e da reconstrução interior. Longe de ser apenas uma coleção de faixas pesadas e melódicas, Omniscience é uma jornada emocional sobre o confronto com o desconhecido e a descoberta de significado no caos. Neste novo capítulo, a banda revela maturidade e intenção, explorando contrastes entre agressividade e contemplação, escuridão e clareza. Gravado de forma independente, o disco reflete uma liberdade criativa total e uma identidade cada vez mais definida, onde cada nota carrega peso, emoção e propósito.

Por Sandra Pinto

Conversámos com os Godark sobre o conceito por trás de Omniscience, as influências que moldaram o som do álbum e a forma como o autoconhecimento se tornou o fio condutor desta obra intensa e transformadora.

“Omniscience” é um conceito bastante profundo, explorando ideias como consciência absoluta, dúvida e a busca pelo significado. Como é que estas temáticas se alinham com a mensagem que a banda quer transmitir neste álbum?
“Omniscience” nasce do conflito entre aquilo que sentimos e o que não conseguimos compreender. As letras exploram dúvida, medo e reconstrução, mostrando que a transformação é possível mesmo no caos. No fundo, é um álbum sobre autoconhecimento e identidade.

O álbum mistura passagens melódicas e atmosféricas com riffs pesados. Como conseguiram equilibrar essas duas vertentes na composição das faixas?
Esse equilíbrio faz parte da nossa identidade. O peso expressa tensão e revolta. A melodia traz profundidade emocional. Trabalhámos muito dinâmica e respiração musical para manter impacto e fluidez.

O que representa a faixa-título “Omniscience” no contexto do álbum e da narrativa que ele constrói?
“Omniscience” é um conceito que dá nome ao álbum. Escolhemos este título porque ele resume a jornada emocional que atravessa todas as músicas. Para nós, a “consciência absoluta” não é algo inalcançável ou místico, mas sim o confronto com aquilo que escondemos de nós próprios, nomeadamente: as fraquezas, a dor, as dúvidas e a necessidade de encontrar sentido. Ao longo do disco, as letras descrevem
quedas, reconstrução, silêncio e resiliência, até chegar a uma espécie de clareza interior. Por isso, o título funciona como uma lente que une estas experiências, mostrando que o autoconhecimento é um processo constante, e não um destino fixo.

Quais as influências que ajudaram a moldar o som do álbum, especialmente essa combinação de melodia e agressividade?
Influências do melodeath, metal progressivo e algumas sensibilidades modernas. Procurámos intenção em cada riff e significado emocional em cada melodia, evitando imitação e privilegiando identidade.

A ideia de “omnisciência” (sabedoria absoluta) parece estar presente nas letras e no som. O que ela significa para a banda e como foi incorporada na música?
Para nós, “omnisciência” não é sobre atingir um estado divino ou saber tudo, é sobre tomar consciência de quem somos, no melhor e no pior. Ao longo do álbum, essa ideia surge no confronto com a dúvida, no peso das escolhas e na procura de significado quando tudo parece desmoronar. Musicalmente, incorporámo-la através da dinâmica: momentos densos e agressivos representam o caos interno, enquanto as atmosferas mais abertas simbolizam clareza e introspeção.

O álbum conta com faixas com títulos muito evocativos, como “Frozen in Time” e “Land of Insane”. Como escolheram os nomes das músicas e qual o significado por trás de cada um deles?
Os títulos das músicas surgiram naturalmente do processo de escrita, muitas vezes como imagens simbólicas que condensam a emoção central de cada faixa. “Frozen in Time”, por exemplo, representa aquele estado em que a vida parece suspensa, quando o passado pesa tanto que a evolução fica paralisada. Já “Land of Insane” aborda a sensação de sermos excluídos e incompreendidos, encontrando refúgio numa “terra” onde a diferença é força e não fraqueza. Em geral, procurámos títulos que não fossem apenas literais, mas que despertassem curiosidade e reflexão.

Como estruturaram o álbum para criar uma jornada que vai da melancolia à transcendência e à fúria? O que querem que os ouvintes sintam ao ouvi-lo na íntegra?
A ordem do álbum foi pensada sobretudo como uma jornada sonora, onde cada faixa se liga naturalmente à seguinte pelo seu clima, densidade e dinâmica. Não quisemos organizar o disco apenas pela letra ou pelo conceito, mas sim pela forma como as músicas respiram e conversam entre si. Começamos com faixas mais impactantes, que estabelecem imediatamente o ambiente, e depois exploramos diferentes
intensidades, texturas e atmosferas, quase como uma onda emocional. Essa construção ajuda o ouvinte a navegar entre melancolia, tensão, libertação e fúria sem sentir que há quebras abruptas. O que pretendemos é que, ao ouvir o álbum na íntegra, a pessoa sinta fluxo, evolução e coerência, como se fosse arrastada por um único movimento contínuo, capaz de mexer com o corpo e com a cabeça ao mesmo tempo.

Como foi o processo de gravação de Omniscience? Sentiram que houve alguma mudança em comparação com o vosso trabalho anterior?
Foi mais focado e maduro. Chegámos ao estúdio com visão clara e demos atenção aos detalhes. É um passo em frente, sem perder a essência.
As vocalizações variam entre o gutural e o melódico.

Como foi o processo de exploração dessas diferentes abordagens vocais e o que cada uma delas acrescenta à mensagem do álbum?
Essa dualidade vocal é essencial para expressar o contraste emocional presente nas letras. Os guturais representam o caos interno, a raiva, a impotência e a luta contra nós próprios, enquanto as partes melódicas trazem vulnerabilidade, clareza e momentos de respiração.

“Omniscience” será lançado de forma independente. Quais são as vantagens e desafios de seguir este caminho? O que é que a banda ganhou com essa decisão?
Lançar “Omniscience” de forma independente deu-nos total liberdade criativa para construir o álbum exatamente como o imaginámos, desde a sonoridade até à identidade visual. Permitiu-nos decidir o nosso próprio ritmo, sem compromissos externos, e manter uma relação direta com quem nos acompanha. Claro que há desafios: a logística, a promoção e a distribuição exigem mais tempo e recursos, mas sentimos que o controlo total compensa. No final, ganhámos maturidade, autonomia e a certeza de que cada detalhe do disco reflete verdadeiramente quem somos enquanto banda.

A composição das músicas é feita de forma colaborativa ou cada membro traz as suas próprias ideias para as faixas? Como é que isso funciona dentro da banda?
A composição em Godark é um processo bastante colaborativo, onde cada membro traz ideias e contribui para moldar o resultado final. Normalmente partimos de riffs, estruturas ou atmosferas iniciais, e depois vamos construindo em conjunto, ajustando arranjos e dinâmicas até encontrarmos o equilíbrio certo.

Como é que o ambiente musical em Portugal influenciou o som do álbum? Sentem que o cenário local tem um impacto direto no estilo de Godark?
De certa forma, o ambiente musical em Portugal influenciou-nos pelo contraste. Crescer num cenário onde o metal é mais underground obriga-nos a ser resilientes, criativos e muito exigentes connosco próprios. Isso acaba por se refletir na intensidade e na autenticidade do álbum. Ao mesmo tempo, convivemos com bandas muito diferentes entre si, o que nos incentiva a procurar uma identidade própria em
vez de seguir tendências. Não diríamos que o cenário local define o nosso estilo, mas certamente moldou a nossa ética, a nossa persistência e a vontade de criar algo que se destaque pela qualidade e pela emoção.

O conceito de “omnisciência” sugere uma reflexão profunda sobre a realidade e o conhecimento. Como é que as letras do álbum lidam com o dilema entre saber e não saber?
Mostram que conhecimento pode libertar ou angustiar. A maturidade surge ao aceitar que a incerteza faz parte da evolução.

O álbum propõe alguma visão ou conclusão sobre essa busca pelo significado? Ou é mais uma jornada do que um destino?
É claramente uma jornada. Não há respostas fechadas; cada ouvinte terá a sua leitura pessoal.

Como é que o tema de “omnisciência” está ligado à experiência pessoal de cada um de vocês? Alguma vivência influenciou diretamente as letras ou a sonoridade do álbum?
A ideia de “omnisciência” liga-se muito às experiências pessoais que todos acumulamos ao longo dos anos.  Não tentámos retratar histórias específicas, mas sim sentimentos universais: ansiedade, isolamento, crescimento e libertação. O metal permite transformar tudo isso em energia, e este álbum é exatamente essa descarga emocional convertida em música.

Ao explorar a dúvida e o questionamento existencial, há influências filosóficas, como o existencialismo ou outras escolas de pensamento, que moldaram o conteúdo das músicas?
Há uma influência filosófica indireta, sobretudo do existencialismo, porque muitas letras lidam com a liberdade, o sentido da vida e o peso das escolhas. Não seguimos uma escola de pensamento específica, mas acabámos por absorver ideias que fazem parte da nossa vivência: a angústia perante o desconhecido, a responsabilidade sobre o próprio destino e a necessidade de criar significado onde ele não é evidente.

Como é que Omniscience representa a evolução de Godark desde o vosso primeiro trabalho? O que mudou no som da banda desde então?
“Omniscience” representa um passo natural na nossa evolução, onde a nossa identidade sonora ganhou mais profundidade e intenção. Desde o primeiro trabalho – o EP “Reborn From Chaos”, amadurecemos na forma como estruturamos as músicas, equilibrámos o peso com a melodia e explorámos melhor as dinâmicas e atmosferas. A nível vocal e instrumental, há hoje mais controlo, mais detalhe e uma abordagem
emocional mais consciente. Continuamos fiéis às raízes, mas agora percebemos melhor o que queremos transmitir e como o fazer de forma coesa. No fundo, este álbum mostra uma banda mais segura de si, mais definida e com vontade de ir ainda mais longe.

Em comparação com lançamentos anteriores, o que é que os fãs podem esperar de diferente em Omniscience?
Sonoridade mais madura, fluida e detalhada. Identidade mais clara e exploração vocal mais rica.

Quais são as vossas expectativas em relação à receção do álbum? O que gostariam que os fãs sentissem ao ouvir este novo trabalho?
As nossas expectativas são simples: queremos que as pessoas sintam algo real ao ouvir o álbum. Se a música tocar naqueles lugares onde habitam a dúvida, a raiva, a introspeção ou a esperança, então já valeu a pena. Não estamos focados apenas em números ou reconhecimento. O objetivo é criar ligação e oferecer uma experiência sonora que possa acompanhar cada pessoa em diferentes fases da vida. Gostávamos
que os fãs sentissem que este álbum os desafia, mas também os acolhe, e que percebam a evolução de Godark com autenticidade. Se “Omniscience” deixar marca, mesmo que apenas numa pessoa, já cumpriu o seu propósito.

Após o lançamento de Omniscience em novembro, o que está planeado para a banda? Estão a pensar em tournées ou outros lançamentos?
Depois do lançamento de “Omniscience”, o foco será apresentá-lo ao vivo com a intensidade que o álbum pede. Teremos o concerto de apresentação no dia 8 de novembro, na Casa do Artista Amador, e estamos já a equacionar outras datas, tanto no centro como no sul do país. Paralelamente, continuamos a trabalhar a nossa ambição internacional, um caminho que já começámos a percorrer e que queremos desenvolver de forma consistente.

Como veem o futuro do death metal melódico, especialmente em Portugal? Quais são os planos de Godark para os próximos anos?
Acreditamos que o death metal melódico tem espaço para crescer em Portugal, especialmente porque o público está cada vez mais recetivo a novas sonoridades dentro do metal. Embora continue a ser um nicho, vemos bandas a evoluir, salas a apostar em propostas diferentes e um interesse crescente em fusões entre peso e ambiência. Isso cria um terreno fértil para diversidade e experimentação. Quanto ao futuro de Godark, queremos continuar a desenvolver a nossa identidade e expandir a nossa presença. Estamos focados em consolidar o caminho internacional que já iniciámos, produzir mais conteúdo e manter uma cadência criativa saudável. O objetivo é simples: crescer de forma consistente, com autenticidade, e contribuir para elevar a cena onde nos inserimos.

Qual é a faixa favorita de cada um de vocês no álbum e porquê?
É sempre difícil escolher uma faixa favorita, porque cada música representa um estado emocional diferente e todas tiveram o seu peso no processo de criação. Ainda assim, dentro da banda há ligações pessoais distintas: alguns identificam-se mais com a intensidade e urgência de faixas mais agressivas, outros sentem uma ligação especial às partes mais atmosféricas e melancólicas. Também há quem destaque certos
arranjos, dinâmicas vocais ou letras específicas que os tocaram de forma particular.  No final, a verdade é que o álbum funciona melhor como um todo e é essa jornada completa que mais nos orgulha.

Se pudessem colaborar com qualquer banda, qual escolheriam?
Bandas que equilibram peso e ambiência. A química artística é mais importante do que o nome.

Acham que, no futuro, poderiam escrever algo mais otimista ou o estilo de Godark sempre será mais sombrio e introspetivo?
A nossa identidade sempre teve uma veia mais sombria e introspetiva, porque é aí que encontramos matéria emocional para transformar em música. No entanto, isso não significa que não possamos explorar tons mais otimistas no futuro. Aliás, em “Omniscience” já existem momentos de luz e superação, mesmo dentro do caos. Acreditamos que o mais importante é ser autêntico: se um dia sentirmos que a esperança tem de ocupar mais espaço, então será natural deixá-la emergir. O foco não é ser negro por obrigação, mas honesto com aquilo que vivemos e sentimos. No fim, Godark é sobre emoção, seja ela sombria… ou luminosa.

Que álbum consideram essencial na formação musical de cada um de vocês?
As influências são diversas dentro e fora do metal. A soma dessas raízes criou camadas na nossa identidade.

Que mensagem final gostariam de deixar aos fãs com este álbum?
Se há algo que queremos transmitir com “Omniscience”, é que ninguém está verdadeiramente sozinho na sua luta interior. Todos carregamos dúvidas, medos e cicatrizes! É nesse confronto que, às vezes, encontramos força. Este álbum fala sobre atravessar escuridão, mas também sobre o momento em que a luz rasga o silêncio e nos lembra que ainda há caminho. Queremos que as pessoas sintam que a dor pode transformar-se em propósito, que a queda pode ensinar e que a busca pelo significado vale a pena. Obrigado a todos os que caminham connosco: vocês são parte desta jornada!

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