Vamos falar de surf com Inês Tralha, fundadora da Good Surf Good Love
Inês Tralha, nome de referência do surf em Portugal e treinadora há mais de 24 anos, anunciou o regresso à atividade da Good Surf Good Love, a escola de surf que criou em 2004. Sobre este regresso e o seu amor ao surf falámos com a treinadora.
Este regresso surge após uma forçosa paragem, devido a problemas de saúde oncológicos que a treinadora teve de enfrentar. Durante esse período, Inês Tralha percebeu que era muito importante ouvir o corpo e focar-se na sua saúde e no bem-estar, procurando passar esta mensagem a todos os que a rodeiam.
Como surgiu o seu interesse pelo surf?
Não sei precisar quando é que o meu interesse pelo surf começou, mas foi, sem dúvida, muito cedo. Penso que há três razões que tiveram influência: A primeira é que os meus pais contam que me levaram para a praia aos 15 dias de vida, pelo que o meu contacto com a praia aconteceu desde muito cedo; a segunda, penso que possa ter sido por influência do meu irmão mais velho, que costumava comprar revistas Fluir, que, na altura, chegavam do Brasil, com 6 meses a 1 ano de atraso, e eu lá fui mergulhando nas imagens e histórias incríveis sobre as vidas dos surfistas de todo o mundo, que viviam de praia em praia e de onda em onda; por último, a casa de praia da família e as férias grandes de verão que eram sempre passadas na Praia de Santa Cruz. No meu caso, penso que estas situações me levaram a criar uma maior intimidade com o mar. Não me chegava estar perto, queria estar lá dentro, à superfície, nas ondas. Lembro-me de, desde cedo, elaborar em pensamentos a ideia de que se as férias de Verão eram tão mágicas, tinha de haver uma maneira de, um dia, a vida ser sempre ali, na praia e perto do mar.
Um dia, o meu pai senta-se ao meu lado na praia, enquanto observávamos o único surfista no mar, e comentar que gostava que os meus irmãos homens praticassem aquela modalidade, pois não era uma coisa de meninas. Ouvi também a minha mãe a comentar com a minha avó algo como: “Que raio de paixão…” e de a minha avó comentar: “Ah amores de Verão, ficam enterrados na areia!” Mal as senhoras, minha mãe e minha avó sabiam, que não, não era um amor de Verão, era o meu relacionamento mais sério, para a vida toda!
Foi fácil a transição para treinadora?
Como era estudante de Educação Física e Desporto, e como se trata de um curso muito multidisciplinar, além dos cadeirões de Anatomofisiologia, Fisiologia do Esforço, Epistemologia, Biomecânica, etc, tínhamos uma componente muito prática. Todos fazíamos muitas formações para nos irmos especializando ou aprendendo mais em determinada área. Quando, em 1999, surgiu a oportunidade, tirei um curso de Treinadora de Surf. Na altura, não havia muita gente interessada nesta vida. O desporto, praticamente em todas as suas vertentes, pertencia a Professores de Educação Física, por isso, conforme as oportunidades foram surgindo, fui agarrando todas. Comecei por dar apoio em Cursos de Formação de Renovação de Créditos para progressão na carreira dos Professores de Educação Física. Depois, no meu primeiro ano como Professora de Educação Física, um colega que viria a ser meu Treinador, convidou-me para trabalhar com ele na sua escola. Mais tarde, em 2004, fundei a minha escola.
Como olha hoje para o universo do surf em Portugal e que comparação faz relativamente à época em que começou?
Estamos noutro mundo diferente, noutro planeta, noutra era. O crescimento do Surf foi tão rápido nestes, aproximadamente, 30 anos, que a industrialização foi tomando conta do mercado. Este crescimento repentino acabou por condenar a cultura original, gerando uma nova era, nem sempre muito aprazível. No entanto, tenho expectativas que o mercado pode vir a melhorar. Sei, no entanto, que não vai parar de crescer e que ninguém vai, de repente, deixar de reparar ou deixar de querer fazer Surf. Antes pelo contrário, mais e mais pessoas, crianças e adultos de qualquer idade, vão querer experimentar.
Em 2004 deu vida à escola de surf Good Surf Good Love. O que a levou a tomar essa decisão?
Foi algo muito natural. Comecei por trabalhar noutras escolas, mas essas escolas paravam no Inverno. Apesar de me ter formado, e de ser professora de Educação Física, Treinadora de Ténis, Instrutora de Fitness nas horas vagas, e Surfista, com alguns pequenos patrocínios na altura, procurava um trabalho que não dependesse da sazonalidade. Além disso, queria dar asas à minha criatividade. E foi assim que resolvi criar a escola de surf, que foi crescendo de ano para ano, e deu origem à marca Good Surf Good Love.
Obrigada a parar devido a problemas de saúde da Inês, a escola regressa agora. Como vai ser este regresso ao ativo?
Este regresso vai trazer muitas novidades, muitos projetos e programas em que trabalho há muito tempo, e que não tinha conseguido ter a energia certa necessária para colocar em prática. Não posso contar tudo ainda, mas algumas das novidades já são conhecidas de todos: A Mentoria para Mulheres Surfistas Autónomas; mini encontros de um a três dias, com várias temáticas; promoção dos valores desportivos, e vincar muito o brio profissional de uma carreira que ainda não tem uma expressão positiva, na minha maneira de ver. Mas posso dizer que vai ser um ano muito alegre, muito feliz, muito animado, e que quero muito concretizar alguns pequenos sonhos que foram ficando para depois.
Que mudanças vai implementar e que mensagem quer passar aos que a procurarem?
Eu não chamaria mudança a nada do que vou implementar, diria antes que quero melhorar ainda mais o meu trabalho e causar um impacto tão grande que todos os outros vão ter de se ajustar à qualidade de serviço, procurar mais conhecimento, cuidar melhor da sua própria imagem e das suas escolas e talvez voltar a estudar. Isto porque o mercado não vai parar de crescer e, literalmente qualquer pessoa, independentemente do seu percurso passado, vai querer marcar uma posição. Nesse sentido, quem quiser continuar a ter um lugar, não vai poder continuar a ser só mais um serviço igual a muitos outros. Vai ter de ser melhor, diferenciado e, acima de tudo, conhecer e praticar os valores desportivos, e terá de ter a preocupação de apresentar o Surf às futuras gerações como modalidade desportiva que é.
Explique-nos mais detalhadamente o seu método de ensino personalizado, e em que medida difere ele de outros métodos de ensino?
É difícil explicar detalhadamente o meu método, uma vez que é uma soma não só dos meus anos de estudo, dos anos de profissão, das horas de formação, mas também daquilo que sou e daquilo em que acredito. Mas posso deixar algumas linhas muito simples e que, inclusive, recomendo a todos os que trabalham na área. Inicialmente, comecei por ir aos manuais de Educação Física e copiar os modelos de ensino de outras modalidades, ensinando passo a passo, por associação de novas e mais difíceis habilidades e competências. Depois, fui estudar como é que o ser humano processa a aprendizagem, e comecei a estudar neurociência. Não sou expert, mas ajudou-me muito a perceber, como é que eu ia ensinar as outras pessoas a serem bem sucedidas numa prática com tantas variáveis. Por último, o meu método rege-se pelos princípios do treino, que, na verdade, são nada mais nada menos do que os princípios de eficiência e do sucesso de qualquer versão do que quer que seja na vida.
A massificação que existe em muitas escolas de surf pode afastar mais do que ligar as pessoas à modalidade?
Diria que sim, porque, regularmente, conheço pessoas com más experiências, algumas até graves, que as afastaram da prática e da ideia de voltar a tentar. Mas, inevitavelmente, acidentes graves vão obrigar o mercado a melhorar. Não me estou a excluir nem a desresponsabilizar, antes pelo contrário, sinto um grande compromisso e responsabilidade por educar as gerações futuras.
Lançou recentemente um programa de mentoria de surf para mulheres, entre os 30 e os 50 anos. O que a levou a tal e qual o objetivo?
Há 2 anos, tive cancro, passei muitas horas em salas de espera e em casa, e, como tal, tive mais tempo para ler. Aprofundei o conhecimento sobre várias temáticas, como, por exemplo, o que é a UNESCO; a importância do conhecimento e da cultura para a liberdade em todos os formatos; direitos humanos; igualdade de género; equidade, etc. Neste período, achei que seria importante apostar em outras mulheres que, como eu, fossem exigentes na vida e reforcei, de certa forma, o sentimento e a dor que tinha, do meu percurso neste mundo que é, em alguma medida, ainda restrito a um pequeno grupo só de homens. Quero, nesta segunda metade da minha vida, rodear-me de pessoas que exijam mais de mim, afinal foi esse o registo da minha educação.
E nesta metade que já passou, fui sempre eu a puxar pelos outros, por isso encontrei, neste programa, uma forma de apoiar mulheres, de uma maneira que a maioria dos homens nunca vai conseguir, e de, ao mesmo tempo, ter um ciclo social de convívio interessante. Esta mentoria é para mulheres que querem e conseguem. Já aceitei algumas inscrições e as mulheres que foram aceites têm esse perfil, pelo que sei que apesar de eu ser responsável por conduzir um novo progresso nas suas vidas, elas também vão ser uma excelente influência para mim nesta fase da minha vida.
Quando começa e quanto tempo dura?
A mentoria vai começar no mês de agosto e tem 3 meses de duração.
Quem pretender ter aulas com a Inês onde se deve dirigir?
A nossa escola tem hoje sede no Concelho de Peniche, onde opera no formato animação e lazer. No formato Formação Desportiva, temos tido alguns atletas a praticar e competir em vários regionais, desde Costa da Caparica, Ericeira, Santa Cruz e Peniche. Não sentimos necessidade de ir a mais lado nenhum, porque o verdadeiro centro de treino português do Surf é Peniche.
Hoje em dia, devido à minha doença, já não estou sempre na praia, mas trabalho afincadamente todos os dias com o apoio de uma equipa com as devidas certificações exigidas por lei e com formação académica e com diferentes níveis de formação do Método METSIT ®️.
Importa reforçar que a Good Surf Good Love é uma verdadeira Academia, que faz, na verdade, o trabalho de Clube e Centro de Treino. Tem na sua rede todos os agentes desportivos necessários e um grupo de profissionais incríveis. Seja para fazer um batismo, para o surf ser a modalidade escolhida para praticar regularmente, para especialização, seja para treinar atletas de nível regional, nacional ou Internacional. Temos uma equipa capaz de fazer um planeamento e periodização completo e rigoroso para formar campeões.