Vamos falar de Medicina Integrativa com Ana Moreira, médica e autora do livro “Como Não Adoecer”
No livro que agora chega às livrarias, “Como Não Adoecer”, a médica e presidente da Sociedade Portuguesa de Medicina Integrativa, Ana Moreira, pioneira e grande impulsionadora deste conceito em Portugal, mostra-nos de que forma a medicina integrativa pode contribuir exponencialmente para o nosso bem-estar, tanto do ponto de vista físico e emocional como, até mesmo, social. Falámos com a especialista com o objetivo de saber mais sobre o livro e sobre este tema.
Só existe uma forma de começar esta entrevista: o que é a Medicina Integrativa?
A Medicina Integrativa é uma área da medicina que conjuga a medicina tradicional com técnicas complementares. A definição de Medicina Integrativa, segundo a Declaração Médica de Stuggart de 2016 é mais complexa e é a mais aceite: “A medicina integrativa significa uma integração da biomedicina convencional com a medicina tradicional e complementar. Todas as abordagens terapêuticas e disciplinas de saúde apropriadas são usadas para obter um melhor estado de saúde para o paciente, enquanto se reconhece e respeita a contribuição única de vários sistemas médicos. A saúde e a medicina integrativa afirmam a importância da relação profissional de saúde-paciente, a participação ativa dos pacientes nesse processo e enfatizam a colaboração interprofissional, de sistemas de redes e de equipes multidisciplinares”.
Como surgiu o seu interesse por esta área da medicina?
O meu percurso iniciou-se com uma licenciatura em medicina, no ano de 2001, no Porto. A partir desse momento, o primeiro desafio com que me deparei nessa área foi a pós-graduação em Medicina Estética, no Brasil, seguida de outra pós-graduação em Medicina Anti-envelhecimento, já na Europa, em Barcelona, e de um mestrado em Medicina Biológica, em Madrid. No fundo, foi a Medicina Estética que me guiou às áreas da nutrição e da dieta, onde pude testemunhar resultados muito interessantes e casos em que foi possível reverter algumas doenças. Uma coisa leva à outra, descobri a Medicina Integrativa e nunca mais parei. A partir daí comecei a estudar esta dinâmica, esta diferença de raciocínio e pensamento médico, que se traduz na melhoria da qualidade de vida do paciente como objetivo final; porque se baseia em conceitos modernos de epigenética, neuroplasticidade, neurocardiologia, psicoimunologia e medicina ortomolecular. Por definição, todo o ato médico devia ter como objetivo final a “cura” (e a cura é muito mais do que a ausência de sintomas).
De que forma se integra ela com a chamada medicina convencional e em que aspetos diferem ambas?
A medicina integrativa é uma forma de observar um paciente. É totalmente complementar à medicina convencional. Eu não podia ter uma carreira em medicina integrativa, sem ter tido uma experiência prévia na medicina tradicional. Para avaliar um paciente, necessito, por exemplo, do seu histórico clínico, de fazer um exame físico, de ter um diagnóstico, entre outras coisas.
Apesar desta complementaridade, podemos dizer que existe uma diferença na abordagem terapêutica e no prognóstico. A nossa motivação é que a doença crónica se possa reverter, o que é concretizável se o paciente fizer uma mudança nos seus hábitos de vida e no seu ambiente externo. A estas alterações chama-se de epigenética, que consiste em modificações estruturais a nível celular, para a reversão de determinada doença. É possível a medicina integrativa funcional em paralelismo com a medicina tradicional, porque ambas fazem parte de uma Medicina mais ampla e mais tentacular com várias vertentes.
Qual é a missão da Medicina Integrativa: curar ou evitar a doença?
A missão da medicina integrativa é exatamente igual à missão da medicina convencional, pois apenas existe uma única Medicina. O objetivo de ambas é curare, em latim, que significa sanar e não o conceito a que associamos à palavra curar, em português. Ou seja, é observar a pessoa nas suas vertentes física, emocional, mental e social. Portanto, têm a mesma finalidade e é importante reforçar que só existe uma
Medicina.
É de facto possível evitar que se fique doente?
Após 17 anos de prática clínica, acredito que sim, que é possível evitar as doenças. Claro que há casos em que sabemos que a herança genética pode tornar-nos mais vulneráveis a determinadas doenças. Por exemplo, um paciente pode, geneticamente, estar mais predisposto para um cancro, por causa do histórico de doença na família. Nesta situação, a pessoa deve ter cuidado redobrado com os seus hábitos de vida para
que essa genética possa não despertar. Esse não é um processo linear e depende de vários fatores, conforme o paciente, como o seu estado emocional. Além disso, hoje em dia, a forte poluição ambiental que se faz sentir, sob a qual temos quase ou nenhuma influência, tem disparado certas doenças crónicas.
Que medidas essenciais devemos tomar para que isso aconteça?
Esse é exatamente o teor do meu livro, que resume as medidas preventivas que devemos tomar para modificar os nossos hábitos de vida, no sentido de prolongar a nossa saúde por mais tempo possível. Assim, convido à leitura de “Como Não Adoecer” que acabo de lançar.
Afirma que não há doenças, mas que há doentes. Pode explicar essa linha de pensamento?
A doença está presente num órgão, num tecido. Mas essa mesma doença também está numa pessoa, influenciada emocional e mentalmente pela família e pelo contexto social – o doente. Por essa razão, é essencial olhar para o doente para além da sua doença. É fulcral alterar o paradigma de como pensamos neste assunto, levando-nos a atuar num nível macro (Macro Medicina). Devemos abandonar a forma de pensar na doença como algo no tecido e sim no paciente dentro de um contexto biosocial. Na medicina integrativa tratamos o doente, não a doença.
Mas quando falamos por exemplo num cancro esta é de facto uma doença, ou não?
Dizer que não há doença, mas doentes é uma metáfora que utilizo, pois não nego a existência de doenças, elas existem, efetivamente. O meu intuito com este recurso expressivo é que o foco terapêutico da medicina deve ser colocado na pessoa, no indivíduo como um todo e não focar apenas na doença em questão. A medicina integrativa observa o paciente no seu global.
Mas se assim é porque é que ficamos doentes?
Ficamos doentes, porque temos toxicidade, comemos e dormimos mal, não fazemos exercício físico, não sabemos gerir as nossas emoções e temos crenças mentais auto limitativas. Todos estes fatores físicos, mentais e emocionais, em conjunto com o ambiente social, fazem-nos adoecer. Daí surge a necessidade de olhar para o todo e não para o micro, porque uma doença pode ser causada por um conjunto de fatores e
não uma causa efeito-consequência.
Podemos pensar que a responsabilidade de ficar doente é do próprio doente?
Se imaginarmos um paciente que é diabético, bebe, fuma e não faz exercício físico, é da responsabilidade da pessoa tentar mudar esses hábitos de vida. E a medicina integrativa está cá exatamente para ajudar estes indivíduos a proceder a tais alterações. Há estados de doença que não controlamos, mas como disse anteriormente, podemos escolher hábitos que à partida, e num ambiente sem histórico de doenças, poderão contribuir para uma vida saudável.
“Se não há doença” numa pessoa em questão de que forma a Medicina Integrativa “cura” os pacientes?
Todos os alunos de medicina aprenderam que não se tratam doenças, mas sim pacientes. Ora essa é uma metáfora já utilizada há bastante tempo baseada na conceção de que o foco dos médicos deve ser no paciente. Ou seja, há que entender e ver o paciente como um todo e não apenas como uma “simples” doença. Mais tarde, a medicina convencional veio a tornar-se mais tecnocrata, daí surgirem as especialidades médicas. Porém, reitero que doenças existem e que devem ser tratadas, mas sem esquecer o paciente e sem pensar nele como uma pessoa dentro de um contexto social. E se estivermos a pensar numa pessoa à partida saudável, a Medicina Integrativa pode contribuir para manter esse estado de saúde e prevenir certas doenças.
Há recurso a medicamentos?
Claro que sim, pois funciona tal como a medicina tradicional, o que não significa que não utilizemos, por vezes, medicamentos diferentes ou alternativos.
Em que aspetos do ser humano pode a Medicina Integrativa interferir? Só no físico?
A medicina integrativa interfere a todos os níveis, pois vê o paciente como um todo. Este tipo de medicina preocupa-se com a pessoa a nível não só físico, como emocional, mental e social.
Em que consiste o plano de cura de 8 semanas?
Para isso têm que ler o livro (risos). Mas, de uma forma resumida, consiste, essencialmente, em alterar o estilo de vida menos saudável para que traga mais qualidade de vida, energia, boa disposição, que melhore como se dorme e come. Basicamente, que traga mais saúde.