Sylvie Simmons, uma das mais reconhecidas jornalistas musicais da atualidade, é autora da biografia de Leonard Cohen, intitulada “I’m your man”. Sylvie não se poupa a adjetivos para descrever o homem por trás da voz: cortês, elegante, reservado, um pouco tímido, aprumado, sóbrio, irrepreensível — ‘não há nele nada de supérfluo’, como refere em bertrand.pt.
Durante a infância nunca exibiu ‘indícios preocupantes de santidade nem de génio’. Aos nove anos, a morte do pai levou-o a escrever o seu primeiro texto, que converteu em ritual de despedida. Terá, simbolicamente, sido a génese da escrita como ritual. Mais tarde, já na adolescência, terá ocorrido aquilo que Sylvie apelida de o Big Bang de Leonard, ‘o momento em que a poesia, a música, o sexo e os anseios espirituais colidiram e se fundiram nele pela primeira vez’. Foi em 1950, entre os quinze e dezasseis anos, quando parou diante de um alfarrabista e se deparou com Poemas Escolhidos de Federico García Lorca. Gacela del mercado matutino arrepiou-o e começou a escrever poemas para reagir àqueles. Nos anos seguintes, sempre que lhe perguntaram o que o levara a interessar-se por poesia, a sua resposta repetia-se: seduzir mulheres.
Escreveu alguns romances – entre eles Beautiful Losers, que considerou ser a melhor coisa que alguma vez criou, um ‘épico religioso desagradável, de incomparável beleza’. “Quando acabou de bater à máquina as últimas palavras do livro — «para sempre hão-de sentir a minha falta na vossa viagem até ao fim» —, iniciou um jejum de 10 dias.”
“Não há diferença entre um poema e uma canção. Alguns textos começaram por ser canções, outros começaram por ser poemas (…) toda a minha escrita tem guitarra em fundo, mesmo os romances.” A sua primeira canção, Suzanne, nasceu de um poema com o mesmo nome — inspirado numa jovem musa de dezassete anos. ‘Como é que produzimos uma obra que chegue ao coração?’, perguntou Leonard, nos anos 90. Em 2012, confessou a Sylvie: “Como todos os escritores, passei grande parte da minha vida a virar os dias do avesso, tentando alcançar algum respeito por mim mesmo (…)”.
Leonard morreu em casa, enquanto dormia, a 7 de novembro de 2016, na sequência de uma queda a meio da noite. Ficam a poesia e a música (e as saudades, permitam-nos) do homem que tinha ‘qualquer coisa de conspirativo’ na maneira como falava e cantava. ‘Como se nos confiasse um grande segredo’.