Uma das maiores incógnitas para 2014, no que toca ao calendário dos concertos e festivais, é a possibilidade de testemunharmos o regresso de Bowie aos palcos para a promoção de «The Next Day». O músico já fez saber, sempre por interposta pessoa e de forma não-oficial, que essa possibilidade não se encontra em cima da mesa. As mesmas fontes acabam sempre por dizer que, apesar disso, estão totalmente disponíveis para colaborar numa eventual digressão e que Bowie se encontra em grande forma física. Se isto for verdade e os problemas de saúde que afectaram Bowie nos últimos anos estiverem completamente postos de parte, estou plenamente convencido que o veremos novamente nos grandes eventos de verão, mesmo que isso não aconteça numa das habituais digressões que consomem demasiado tempo e para as quais Bowie não parece muito disponível. A minha aposta vai para Glastonbury mas não me espantava que a coisa se limitasse a meia-dúzia de datas no sempre lucrativo mercado americano.
Em 1990 o panorama era completamente diferente. A década de 80 chegara ao fim e deixara um sabor amargo aos admiradores de longa data de David Bowie. O músico editara apenas quatro álbuns em nome próprio, um forte contraste com as 11 edições da década anterior. «Scary Monsters», o seu último grande trabalho, encerrava uma década brilhante de invenção e renovação e abria as portas a uma época que seria marcada, para o bem e para o mal, por muitos dos filhos de Bowie. Três anos depois, uma disputa legal com a RCA e a mudança para a EMI trouxeram de volta o Bowie global, um sucesso à escala planetária com «Let’s Dance» a alcançar números de vendas que ele nunca tinha conseguido anteriormente, o maior êxito comercial da sua carreira.
Em 1989, Bowie interrompe o seu envolvimento no projecto Tin Machine, uma banda de rock FM de gosto muito duvidoso, para se dedicar à edição da caixa «Sound+Vision», uma compilação que nasceu de uma proposta da editora Rykodisc para a recuperação em formato CD da discografia de Bowie referente ao período 1969-1980, a época em que se encontrava vinculado à editora RCA. «Sound+Vision» não é um best of tradicional, antes uma reunião de temas que ficaram de fora de anteriores trabalhos, demos e registos ao vivo de canções já editadas, lados B, temas de Tin Machine e de edições menos conhecidas como as gravadas para a peça «Baal» de Bertolt Brecht ou para a banda sonora de «The Buddha Of Suburbia».
Como estratégia de lançamento de «Sound+Vision», Bowie anunciou uma digressão mundial com o mesmo nome onde tocaria, pela última vez, os grandes clássicos da década de 70. Segundo ele, esta seria uma forma de se libertar do peso que essas canções representavam e assim libertar a sua criatividade para uma nova época de brilhante produção. Com início em Março, no Quebec, e fim em Buenos Aires, em Setembro, a digressão apresentou-se em mais de 100 locais ao longo dos continentes europeu e americano. Portugal teve direito a uma data, 14 de Setembro, no Estádio de Alvalade.
Desse concerto recordo a apresentação sóbria de Bowie, com uma roupinha a fazer lembrar um croupier do casino de Monte Gordo, ladeado por um quarteto de músicos em que se destacava a presença do veterano Adrian Belew, responsável pela direcção musical da digressão, e o baixista Erdal Kizilcay, parceiro nos Tin Machine. As cores dominantes eram o preto e o branco e as grandes projecções, grandiosos jogos de luzes e sumptuosa pirotecnia, que caracterizaram a anterior digressão «Glass Spider», brilharam pela ausência. A contrastar com todo este recato pouco habitual nas produções de Bowie, o alinhamento era constituído por uma sucessão de grandes canções do período anterior a «Tonight». As excepções a esta regra foram «Blue Jean» e o inenarrável «Pretty Pink Rose», uma canção escrita por Bowie para um disco de Adrian Belew.
A RTP deu o devido destaque a este evento e apresentou um programa especial dedicado ao concerto. Existem vários registos no YouTube, mas não encontrei a emissão integral. Chegaram às minhas mãos alguns registos não-oficiais de concertos desta digressão, dos quais destaco «Paris au Printemps», uma gravação integral, em CD, do espectáculo de 3 de Abril em Paris, onde o alinhamento apresentado foi semelhante ao do Estádio de Alvalade.
A estratégia promocional da digressão «Sound+Vision» incluía o anúncio da abertura da construção dos alinhamentos de cada um dos concertos à vontade dos fãs dos países por onde passava, através de votação telefónica. Dessa forma, em cada apresentação, cinco dos temas seriam escolhidos previamente em regime «Quando O Telefone Toca». Ao que parece, nada disto foi levado muito a sério por Bowie, apesar de algumas das votações locais terem sido divulgadas.
O mais interessante de toda esta história passou-se em Inglaterra, quando o sempre folião New Musical Express resolveu lançar a campanha «Just Say Gnome» como forma de obrigar o músico a incluir a canção «The Laughing Gnome» no alinhamento dos concertos em solo britânico. A referida canção foi um produto da época em que Bowie gravava para a DERAM e tentava emular o ídolo Syd Barrett com resultados pouco dignos. Roy Carr e Charles Shaar Murray , editores do NME e autores de vários trabalhos sobre David Bowie, dos quais se destaca «David Bowie: An Illustrated Record», referiram-se a «The Laughing Gnome» como «um dos momentos mais embaraçosos da sua juventude». Infelizmente, a votação foi anulada.
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Texto: Jon Marx