Patti Smith no Coliseu de Lisboa e a revolução saiu à rua

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«Olá Lisboa. É bom estar de volta». Foi assim que começou uma das noites mais incríveis que já tivemos oportunidade de viver no Coliseu de Lisboa. Com 68 anos de idade, Patti Smith veio à capital portuguesa celebrar os 40 anos da edição do seu primeiro álbum e que viria a mudar para sempre a sua carreira. Editado no dia 13 de dezembro de 1975, “Horses” foi produzido por John Cale (à época já retirado dos Velvet Underground). Aquele que viria a ser o primeiro e mais marcante trabalho da poetisa e compositora norte-americana é composto por um conjunto de canções que ao longo das décadas foram ganhando aura de ícones, assim como a sua autora, considerada a madrinha do movimento punk.

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Tendo evoluído numa Nova Iorque a pulsar de criatividade e tendo convivido com grandes nomes da cena artística, musical e cultural da Big Apple, Patti transporta em si mesma um ADN revolucionário que lhe atribui uma energia inesgotável e uma aura de guerreira imbatível. Isso mesmo viu-se e sentiu-se ontem no Coliseu de Lisboa.

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Símbolo de uma geração, Patti consegue aliar nos seus concertos um público absolutamente eclético no que a idades diz respeito, pois tal como aconteceu em junho no Porto quando deu dois concertos no NOS Primavera Sound, também no Coliseu de Lisboa se juntaram avós, pais e filhos.

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Foi sob a primeira chuva de palmas, das muitas que viriam a inundar o Coliseu de Lisboa, que Patti entrou em palco acompanhada. Seguindo o alinhamento do disco que serve de base ao concerto, é com “Gloria” que a viagem começa. Com a revolução sempre no horizonte, a também poetisa arrasa com os nossos corações ao apelar à nossa veia mais interventiva misturando politica com rock’n’roll…mas não é essa a função da música? Agitar pensamentos e fomentar ações? Pelo meio, palavras ditas em forma de poesia, momentos intensos e arrebatadores que levaram a emoção ao auge, como o casal da geração de Patti que sentados ao nosso lado assistiram ao concerto de mãos dadas, separadas pontualmente para bater palmas ou gritar de braço no ar que o poder é do povo!

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Seguiu-se “Redondo Beach” quando todos já tinham percebido que esta ia ser uma noite memorável. «Estamos nisto juntos — uma mente, um coração e tudo está ao nosso alcance», grita Patti e nesse momento tudo ganha sentido: a luta, a entrega, o estarmos todos ali a viver um momento que ninguém vai esquecer. Ela canta, toca, pula, dança. Patti não para um segundo, plena de vida e de garra. Sim tudo ali é punk, alma pura e verdadeira que na música encontra o último reduto de liberdade.

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A magia inunda a sala de espetáculos da capital quando as palavras de “Birdland” ditas com uma extrema emoção por Patti inundam o ar, quase substituindo o oxigénio que nos faz respirar, viver. Não fazia falta, ali naquele momento pois apenas a poesia de Patti era fonte de vida, da nossa vida. Em êxtase os papéis voam e com eles a alma.

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Segue-se “Free Money”, depois da qual Patti diz precisar de uma bebida, garantindo que é apenas gengibre, limão e água portuguesa. «Acabámos de ouvir o Lado A do disco», diz Patti, informando que «que agora vamos levantar a agulha, virar o disco e ouvir o Lado B». Ritual antigo que pela nossa parte fazemos por manter vivo junto das gerações mais novas ao incrementar nelas o amor pelo vinil e pela ritual sagrado de ouvir música.

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“Kimberly” dava seguimento ao concerto com Patti a dançar imparável tal amazona livre de espírito e de amarras. Do público ouve-se “We love you”, ao que Patti responde «We love you too», originando a pronta resposta de «We love you more» e a conclusão de Patti «Somos todos doidos (we are all crazy)!» Escrita em memória e dedicada a Jim Morrison, “Break It Up” surge para clamar aatenção que lhe é devida, «há nesta música uma parte que pdede a vossa participação», diz Patti, numa referência ao intenso refrão que, nas palavras de autora, significa partir, quebrar e deixar o espirito de Jim voar para outras paragens, para outras moradas. Já dizemos que este foi um concerto intenso? Pois, como devem imaginar é algo que vamos repetir.

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«Horses, horses, horses» ouve-se em uníssono no interior da sala das Portas de Santo Antão, metade de “Land” seguida de G-L-O-R-I-A. Se há religião que todos professamos é esta e a sacerdotisa é ela, maior do que a vida, de cabelos grisalhos e voz intensa e forte que trespassa os corpos e atiça a mente e nos faz gritar a plenos pulmões como se o mundo nos ouvisse, se com o nosso grito conseguíssemos parar a insanidade que inunda o mundo e a Europa nos últimos dias.

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Se até aqui todos os segundos foram de emoção, a mesma cresceu quando em “Elegie Dancing Barefoot” relembra que a mesma foi escrita em memória e homenagem a Jimi Hendrix, mas «com ela», diz Patti, «quero homenagear todos os que de quem gostamos mas que já não estão vivos», fazendo desfilar nomes como Janis Joplin, a família Ramones, Kurt Cobain, Amy Winehouse, Robert Mapplethorpe e Lou Reed. Por muitas palavras que se escrevam será impossível transmitir a verdadeira emoção desta brutal homenagem.

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Lou Reed…e era chegada a hora de chamar a palco outra lenda da Nova Iorque de Patti, «estamos numa noite de celebração, por isso vamos celebrar os 50 anos de uma das maiores bandas oriundas de Nova Iorque», introdução perfeita para “Rock & Roll/I’m Waiting For My Man/White Light, White Heat”, dos The Velvet Underground na voz de Lenny Kaye.

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Patti regressa a palco ainda mais revigorada atirando sem dó nem piedade com “Beneath the Southern Cross”, «esta canção dedico-a à vida», diz Patti, revelando que «estive hoje na Casa Fernando Pessoa e descobri lá que ele tem os mesmos livros que nós, Rimbaud, Oscar Wilde, Walt Whitman, e que tinha escrito um poema com o nome “A vida de Rimbaud”, pelo que esta canção é dedicada à vida».
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Escrita a meias com Bruce Springsteen para a voz de Patti, “Because the night”, seguiu-se num alinhamento que, mais do que música, foi todo ele composto por memórias e homenagens, tal como a feita nesta canção ao falecido marido, «Fred esta música é para ti», diz Patti referindo-se a ao guitarrista dos MC5, Fred “Sonic” Smith.

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Quase a terminar as quase duas horas de concerto era altura para “People Have the Power”, logo era altura para Patti apelar a que não deixássemos de sonhar, de votar, de ficar e de amar, pois esse é um poder que pertence a cada um de nós. «Não permitam que os “fucking governments” mandem em vocês. Devem ser vocês a mandar livremente no mundo».

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«”Horses” foi editado em 1975 e sei que muitos de vocês não eram ainda nascidos nessa altura, pelo que tenho imenso orgulho que estejam aqui comigo hoje», confessa Patti antes de avançar para “My Generation”, cover para uma música original dos The Who. Agarra na guitarra e levanta-a no ar numa demonstração clara que esta é a arma da nossa geração comum, aquela geração que, trespassando idades, tem luta tendo o rock’n’roll como pano de fundo, como mentor. Rebenta cordas, espalha rosas e olha nos olhos de cada um de nós e grita, «vocês são o futuro e o futuro é agora».

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Texto: Sandra Pinto
Fotos: Luís Pissarro

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