Passado, futuro e presente com David Fonseca no CCB
“Futuro Eu” é o álbum novo de David Fonseca, apresentado no Centro Cultural de Belém, a 30 de outubro. No primeiro concerto da nova fase, o artista português mais criativo de todos reinventou-se novamente, recuperou glórias do passado e lançou-nos no futuro. E o futuro acontece agora.
As filas à porta do CCB não deixam qualquer dúvida. David Fonseca atuará esta noite, num muito aguardado regresso aos palcos. Palcos que enche sempre, sem grandes dificuldades, à conta da legião de fãs angariados nas rádios mainstream e nos singles orelhudos de que tem sido feita a carreira recente de David Fonseca. Mas há muito mais para além do artista popular pelas sappy songs (sad & happy). Felizmente, hoje David Fonseca irá mostrar um pouco desse outro lado, mais alternativo. E, felizmente, o público irá gostar, aplaudindo com o mesmo ânimo desde o primeiro minuto.
O cenário é, como sempre, inusitado. Há mãos gigantes que seguram pássaros, flores, maçãs, barcos, alguns dos elementos com que David Fonseca ilustrou o seu novo trabalho. Nada de estranho para quem já viu nos palcos de David Fonseca bolas de espelhos anormalmente grandes e até carros voadores.
Futuro Eu é o primeiro álbum inteiramente cantado em português e ainda nos lembramos das polémicas sobre usar a língua de Camões ou o tradicional inglês, que tanto perseguiram David Fonseca. Para ele, foi um desafio. Para o público, uma surpresa. Primeiro estranha-se, depois já está a rodar em loop na cabeça. A divulgação competente de algumas músicas contribuiu muito para isto e permitiu que a audiência já tivesse as novas letras na ponta da língua.
Inevitavelmente, a faixa homónima do álbum inaugurou o concerto. O músico surge em palco com o fato meio azul, meio preto que traja no videoclip de “Futuro Eu”. Os elementos visuais foram muito importantes na apresentação deste disco, como são sempre na estética musical de David Fonseca. Apesar da constante, há sempre margem para inovar e David Fonseca, o mais criativo dos músicos portugueses a actuar junto do grande público, consegue exceder-se sempre.
Por isso mesmo, o concerto faz-se com mudanças constantes dos painéis de vídeo que, atrás do cantor, começam por mostrar imagens dos telediscos já conhecidos e que lá para o meio do espectáculo tornar-se-ão uma parede de espelhos atrás do músico. Logo a seguir vem “Chama-me que eu vou”, que será a faixa mais animada do novo trabalho.
O público não perde uma oportunidade de bater palmas mas parece ficar um pouco à deriva quando ouve as primeiras palavras em inglês da noite. “Maybe I’m just like my father 2 bold/Maybe you’re just like my mother”. A confusão adensa-se porque David Fonseca foi buscar alguns versos a “When Doves Cry”, de Prince, para introduzir “Não Dês Só Para Tirar”.
“A Cry 4 Love”, de Between Waves (2009) é o primeiro clássico do alinhamento. Percebemos que não vão faltar os maiores sucessos. David Fonseca alerta para o possibilidade de tudo correr mal naquele concerto, sendo o primeiro do álbum. Como se não andasse nisto desde sempre.
Os painéis rearranjam-se subitamente em blocos individuais, mostrando agora várias mãos que seguram telefones vintage. Pouco depois, vem a inevitável “Someone That Cannot Love”, música que não precisa sequer de qualquer descrição. Aproveitando a onda nostálgica instalada, chama ao palco Márcia, convidada de honra do disco e da noite que, em ambos, canta consigo “Deixa Ser”. É uma balada dengosa que nos prende de imediato pelo encanto da melodia e pela doçura da voz de Márcia. O momento é bonito e prolonga-se mais um pouco quando a cantora é convidada a acompanhar o anfitrião em mais um tema. Trata-se de “É-me Igual”, outra faixa nova mas que não teve espaço no disco. Como já é seu hábito, David Fonseca lançou-a na web juntamente com mais umas músicas.
Tempo para voltar à festa. Ouve-se “Kiss Me, Oh Kiss Me”. De repente, apercebemo-nos que Kiss Me, de Dreams In Colour, foi lançada em 2007. Num instante, passaram-se oito anos e sentimos o peso do tempo. O mesmo que parece estar nas entrelinhas de Futuro Eu. O disco mais recente de David Fonseca fala de ontem e de amanhã, de sensações já vividas e até de funerais. Percebemos que aquele auto-retrato do artista a preto e branco, revelado pelo próprio nas redes sociais com o anúncio do disco, quer dizer alguma coisa. Foi tirado no seu refúgio perto do mar, onde se recolheu para fazer este álbum. Se há aqui uma pré-meia-idade, então queremos uma igual porque é colorida, animada e divertida. Tem referências a Prince, tem Abba, tem Pixies e tem até Marco Paulo (“Sempre que brilha o sol” é a sua música para o duche).
Este é o mesmo David Fonseca, enérgico, como nos habituou e como comprova ao correr público adentro e instalar-se de pé numa cadeira com a sua guitarra. Só muda o idioma. O humor vai pautando as interacções com o público e já nosencores (plural) irá transformar-se quase num momento de stand up. Conta-nos que se cruzou com um não-fã que não resistira à necessidade de lhe dizer que nunca apreciara a sua música. Mas em português é que não. Conta ainda que lhe chegou por email um anúncio deixado no OLX por um coração abandonado que procurava companhia para aquele concerto, em jeito de classificados do Correio da Manhã.
Surgem “Superstars II” e “Stop 4 a Minute”. Ficamos a pensar que o novo disco tem muito menos festa que os anteriores porque os momentos mais altos do concerto coincidem apenas com as músicas antigas. Talvez a melancolia da língua portuguesa se tenha abatido sobre as composições de David Fonseca. “Funeral” é exemplo disso, uma belíssima canção, difícil de entrar nos circuitos comerciais.
Antes do primeiro encore (os maiores embustes da indústria, diz o cantor), apresenta “Hoje Eu Não Sou” e “Eu Já Estive Aqui”. Regressado ao palco, traz consigo “Sem Aviso”. Depois, momento brilhante com “What Life Is For” e, para grande surpresa porque já é um tema bem antigo, “The 80s”. Julgamos ter chegado ao fim mas há ainda novo regresso em modo de “discos pedidos”. Sozinho em palco, acompanhado apenas pela sua guitarra, toca a primeira música que aprendeu: “Where Is My Mind”. Tocava-a para a mãe, na cozinha, prometendo-lhe que iria ter uma carreira musical. O momento é mais intimista e acaba com “U Know Who I Am”. A banda junta-se ao anfitrião e toca de seguida “Agora é a Nossa Vez”, balada que fecha Futuro Eu. Fica encerrado o alinhamento e a noite enquanto, no palco, os músicos se despedem ao som de Etta James e do seu inconfundível “At Last”.
Texto: Filipa Moreno
Fotos: João Pedro Domingos