Manel Cruz no Tivoli BBVA a encher o nosso coração com canções bonitas
Baptizado Manuel Gomes Coelho Pinho da Cruz, todos o conhecemos como Manel Cruz. Manel, aquele amigo que abrilhanta a nossa vida com canções perfeitas. Foi assim, outra vez, no Tivoli BBVA onde veio apresentar a Tour Nedó 2020.
Texto: Sandra Pinto
Fotos: Luís Pissarro
Tem sido presença constante cá em casa e na nossa vida. Primeiro com os Ornatos Violeta e depois a solo no âmbito dos seus inúmeros projectos. Dono de uma tremenda criatividade musical, Manel não pára. A cada anúncio de novo disco ou de novo projecto, é inevitável o burburinho e a excitação para perceber como vai ele espantar-nos desta vez. E a realidade é que Manel não falha e nunca nos desilude. Antes pelo contrário. Consegue sempre encher-nos as medidas e o coração com canções bonitas e palavras marcantes.
Voltou a repetir a proeza com “Vida Nova”, o seu mais recente registo discográfico, que lançado em Abril de 2019, serve de base à Tour Nedó 2020 no âmbito da qual esteve no passado sábado no Tivoli BBVA.
«Está compostinha a casa», diz o músico assim que entra em palco. E de facto estava. Sala cheia para receber Manel que chegou acompanhado dos músicos António Serginho, na bateria, Eduardo Silva no baixo e Nico Tricot na guitarra e teclas para brindar o público com duas horas de concerto, durante as quais não só cantou, como declamou, dançou, pulou, falou espanhol, respondeu aos piropos do público e passeou pela plateia.
Houve tempo para tudo, pois um alinhamento de 30 músicas isso permitiu. Dele fizeram parte, não apenas os temas do seu mais recente disco, mas também canções para nós já icónicas da sua carreira, com particular incidência em Foge Foge Bandido, projecto ainda hoje muito muito acarinhado pelos fãs.
“Invenção da tarde” de “Vida Nova” deu início à noite, a qual seguiu com “Entre as pedras” e “A dor de ter de errar”. Esta última, a primeira das muitas que, retirada de “O Amor Dá-me Tesão/Não Fui Eu que Estraguei”, fez parte do alinhamento.
O regresso a “Vida Nova” fê-lo com “Anjo incrível” e “Libelinha”, intercaladas com uma visita ao álbum “Ainda Não Acabei” ao interpretar o tema homónimo do registo lançado em 2017, e seguidas de “As Minhas Saudades Tuas”, incrível poema para uma canção do igualmente incrível álbum de estreia de Foge Foge Bandido, lançado em 2008. “Tenho saudades tuas; Isso eu sei porque eu sinto no meu peito essas ruas; Nunca imaginei um amor assim; E agora até ficou real”.
Para felicidade de todos, permanecemos em 2008, ao perceber que no alinhamento seguir-se-ia “Canção da canção triste”, uma dos mais belos temas da música portuguesa onde a melodia e a letra ganham uma amplitude ainda mais intensa com a voz de Manel a cantar “Eu sei que tudo ser em vão é triste; Como é triste um homem morrer; Pergunta à voz se essa canção existe; E se ela não souber, ninguém mais vai saber”. Chegou a altura de vos revelar que para nós, mais do que músico, o Manel sempre foi um poeta, um dos nossos preferidos. Sem amarras ou limites, Manel brinca com as palavras como as crianças brincam com as peças de um puzzle. No final, temos uma figura linda e atraente, perfeita e desejada.
A viagem a 2018 e ao álbum “Cães e ossos” é feita através do tema homónimo, logo seguido de “Missa”, onde ironicamente a Eucaristia se vê trocada por uma, temos a certeza que picante, chumaça, e “O navio dela”, este um dos temas mais impactantes de “Vida Nova”, verdadeiro hino à mulher homenageada numa letra lindíssima. Não menos bela é “Beija-flor”, retirada do álbum com o mesmo nome lançado em 2017 e que teve direito a um belíssimo videoclip realizado por Manel e André Tentugal.
Ao mar de palmas que inundam a sala, Manel responde com um gesto de quem fotografa o público, numa intenção evidente de guardar para sempre aquele momento e aquele sentimento de comunhão que enchia o Tivoli BBVA.
“Algures perto do mar”, “Reboque” e “Ainda Pode Descer” foram mostrando a enorme força criativa do músico ao serem apresentadas pela banda com uma alegria e um vigor que lhes garantem um lugar certo na memória daquela noite. Já sem camisa, «isto é só ginásio», responde ao comentário vindo da plateia, Manel, 45 anos feitos, mais parece um garoto irreverente que nos desafia a brincar com ele, a acompanhá-lo nas tropelias. Pula, salta e faz piadas.
Com mais de metade da noite cumprida, seguem-se “Tirem o Macaco da Prisão”, “Cisma” e a nova “Vida Nova”, do trabalho lançado o ano passado, “Depois de passar, aprovo, Penso em vida nova; E olhos na paixão antiga; Não se esquece; Mas sem ti; Arrefece”.
É em “Vida nova” que permanecemos com “Caso arrumado”. «A canção que se segue é nova», afirma Manel, para de seguida se apresentar sozinho em palco de guitarra na mão para dar vida a “Lágrimas são para correr”.
“Como Um Bom Filho do Vento”, de “Vida Nova”, precede o regresso a 2008, como refere Manel antes de interpretar “Estou pronto”, «voltemos ao Bandido». Um dos momentos mais surpreendente da noite chegou com “Ovo”, projecto de 2014 que juntou Manel a nomes como André Tentugal, Olive Tree Dance, Sopa de Pedra e o grupo de percussão Retimbrar. “Buraco”, “Onan, o Rapaz do Presente”, «uma música do Bandido que nunca foi tocada ao vivo», diz Manel, e “Maluco”, «Na minha aldeia chamam-me maluco por não fazer a barba às ideias» dão por terminado concerto.
«Obrigado, muito obrigado», afirma Manel em resposta à torrente de palmas que insistia em cair sobre ele e seus companheiros. Saem por instantes. Regressa sozinho para, sob um foco de luz e na companhia de uma guitarra, dar vida a “Onde estou eu”, de “Vida Nova”. Da plateia alguém grita aquilo que todos pensamos, «és o maior». É mesmo!
O encore prossegue com “Eleva”, tema de Foge Foge Bandido no qual Manel parece encarnar o papel de um qualquer pastor de uma qualquer igreja. Aliás, a história de “Eleva” merece ser contada pelo próprio Manel. «Numa altura em que eu estava muito numa de sacar sonzinhos, estava a dar na televisão um bispo a falar, num palco com montes de gente. E com um discurso incrível, virtuoso; ainda para mais não era um discurso beato, só lhe faltava dizer “just do it!”. Eu pus logo a gravar e foi aí que tive a ideia de pôr aquilo por cima do instrumental. Experimentei por cima de várias músicas do Bandido – algumas ainda eram só experimentais – e gostei sobretudo daquela porque tinha aquele lado gingão. O discurso [do bispo brasileiro] era extensíssimo, tinha uns 20 minutos, e eu tive de cortar. A certa altura tive de começar a manipular o discurso também. Ele dizia muitas coisas separadas que eu ia juntando. Foi um processo evolutivo», explicou em 2008 na Blitz.
“A canção da canção da lua” de “O Amor Dá-me Tesão / Não Fui Eu que Estraguei” fecharia o encore da melhor forma possível. Ninguém queria acreditar que era o fim. Em cima do palco a alegria dos músicos era flagrante. António Serginho pega em Manel ao colo num momento hilariante de felicidade e verdadeira amizade que transbordava do palco para a plateia.
Regressam mais uma vez para fechar a noite com chave de ouro ao som de “Não Aldrabes”, música incontornável de primeiro trabalho do projecto a solo de Manel, Foge Foge Bandido. Foram duas horas mas podiam ter sido três ou quatro. Nem ele nem nós nos mostrámos cansados. No ar ficou um último «muito obrigado a todos« dito de cima do palco por um Manel visivelmente feliz. Do lado de cá só nos cabe responder, não tens nada que agradecer.
Só te pedimos que continues a encher o nosso coração de canções bonitas.
Alinhamento
“Invenção da tarde”
“Entre as pedras”
“A dor de ter de errar”
“Anjo incrível”
“Libelinha”
“Ainda Não Acabei”
“As Minhas Saudades Tuas”
“Canção da canção triste”
“Cães e ossos”
“Missa”
“O navio dela”
“Beija-flor”
“Algures perto do mar”
“Reboque”
“Ainda Pode Descer”
“Tirem o Macaco da Prisão”
“Cisma”
“Vida Nova”
“Caso arrumado”
“Lágrimas são para correr”
“Como Um Bom Filho do Vento”
“Estou pronto”
“Ovo”
“Buraco”
“Onan, o Rapaz do Presente”
“Maluco”
“Onde estou eu”
“Eleva”
“A canção da canção da lua”
“Não Aldrabes”