Gaerea no Theatro Live Experience e a noite vestiu-se de negro
Quem são não se sabe. O que se sabe é que os Gaerea são já uma das grandes certezas do metal nacional. Chegam do Porto para conquistar o mundo e deram mais um passo nessa caminhada ontem, num concerto incrível em que tomaram de assalto o espaço Theatro Live Experience.
Texto: Sandra Pinto
Fotos: Luís Pissarro
Corria o ano de 2016 quando se começou a ouvir falar de uma banda que ninguém sabia quem era nem de onde vinha, mas que de imediato conquistou fãs com o seu EP homónimo lançado pela editora italiana, Everlasting Spew Records. Em palco apresentam-se de rosto coberto, facto que adensa ainda mais a aura de mistério que desde então envolve os Gaerea. Passados estes anos, a banda portuguesa oriunda do Porto tem vindo a escrever uma história do sucesso desbravando caminhos que até então só tinham sido desbravados pelos Moonspell.
Unsettling Whispers é o primeiro longa duração dos Gaerea. Lançado em 2018, pela editora indiana, Transcending Obscurity Records, foi este o pilar determinante da impressionante trajetória da banda. Com ele conquistaram primeiro Portugal, partindo depois para a conquista da Europa. Com passos firmes, prosseguiram uma estratégia baseada no trabalho intenso e na manutenção de uma qualidade musical que não deixa de surpreender, inclusive quem os conhece desde os primeiros tempos. Prova de que trabalho e persistência compensam é o facto de os Gaerea terem chamado a atenção da editora Season Of Mist com a qual lançam, em julho de 2020, Limbo, o seu segundo longa duração gravado nos Demigod Recordings, com produção de Miguel Tereso.
Foi ele o ponto de partida para o concerto que a banda deu ontem no Theatro Live Experience, sendo que do alinhamento fizeram ainda parte temas dos dois trabalhos anteriores. Tendo como pano de fundo a capa do álbum, criada por artista alemão Eliran Kantor, o quinteto surge em palco, como de costume, de cara tapada com um capuz negro onde está estampado o símbolo da banda. O negro estende-se à roupa e à tinta que cobre os braços dos músicos e o efeito não podia ser mais imponente e marcante: nada os distingue entre si conseguindo-se assim a força necessária a um coletivo coeso.
A banda de “cathartic black metal” começou o alinhamento da noite com “To Ain”, o primeiro tema do último disco que, funcionando como uma ode à queda do homem, ganhou logo ali, no palco, asas de tal forma potentes que transportaram cada elemento do público para o universo paralelo dos Gaerea.
A exploração de Limbo continua com “Null”, e é com ela que nos apercebemos do limite onde nos questionamos se o que vivemos é realidade ou ilusão. Em palco a “dança” prossegue perante os nossos olhos que quase não pestanejam para que não percamos um segundo da sublime performance de uma banda que sabe, perfeitamente, para onde quer ir. De Unsettling Whispers chega primeiro “Absent”, logo seguida de “Whispers”. Por entre riffs de guitarras e uma poderosíssima bateria, surge a voz, potente e intensa de um vocalista que se entrega de corpo e alma à música numa atuação plena de intensidade e carisma.
Regressamos a Limbo com “Urge”, onde a agonia e a libertação surgem numa plenitude de intensidade, num modo quase épico ritmado por uma bateria insana e por riffs dissonantes que se interligam com leads angustiantes, e prosseguimos com “Conspiranoia”. “Reflections Of what you are/ Imagination Is overpriced” introduz o tema que nos leva a questionar se aquilo que vivemos é apenas o reflexo daquilo que realmente sentimos no momento, primeiro de uma forma lenta e algo cerimonial, mas que termina numa voragem de blast beats e riffs dilacerantes.
Catharsis, do registo de 2018, começa com uma intensidade dolorosa a qual prossegue através de um dos versos ao qual é de todo impossível ficar indiferente: “Obey and die/When death comes/Relief will consume you”. Com o aproximar do final do concerto, tempo de uma última visita a Limbo, com “Mare”, mais um excelente exemplo do que é o som dos Gaerea, texturas melancólicas e emoções profundas que desafiam a arquétipo do black metal. Sentimentos em forma de canções que incendeiam a alma dos ouvintes, mas onde não faltam os riffs e os blast beats.
Algures no texto já referimos a palavra carisma, e vamos voltar a fazê-lo, pois é impossível ficar indiferente ao vocalista, personagem secreta mas intensa que não resiste a partilhar o seu coração com todos os presentes na sala num gesto retribuído com palmas e muita emoção. Estava ganha a noite, a noite dos Gaerea.
Para o fim, a apoteose com “Void of Numbness”, tema retirado do EP homónimo, aquele que lançou os Gaerea para as páginas da história da música e do metal nacional e internacional. Se em 2016 o futuro da banda se mostrava promissor, cinco anos depois ele é já uma certeza. Com garra, trabalho e perseverança, são eles a prova de que é possível vencer. Ontem, no Theatro Live Experience, os Gaerea mostraram porque são a banda nacional do momento.
Uma última palavra para a Amazing Events, a promotora responsável pela noite de ontem. Com a pandemia o mundo mudou e o universo da música levou um “tombo” impressionante que deixou todos e tudo, ou quase, em suspenso. Concertos adiados e/ou cancelados, trouxeram um misto de incerteza e impotência a um sector já de si bastante débil. Cerca de 16 meses depois a realidade começa a mudar e os concertos começam a acontecer.
A verdade é que, o Luís e o Ivo nunca baixaram os braços durante este ano e meio que já levamos de pandemia. Reinventaram-se o mais que puderam para continuar a oferecer ao público boa música e eventos que marcam a diferença. É nesta luta que surge a iniciativa Theatro Live Experience. E, se dúvidas houvesse sobre o seu profissionalismo (não nossas, mas de outros) a noite de ontem dissipou-as, totalmente. Excelente organização, um staff incrivelmente solicito e simpático e um espaço que tem tudo para dar certo. Parabéns pela persistência e que venham mais noites como esta, porque cultura é e será sempre segura!