Fat White Family no LAV post-punk em tempos de paz
São britânicos. Gostam de desafiar as regras e adoram o caos. Não têm papas na língua. São responsáveis por um dos melhores álbuns de 2019. Senhoras e senhores, eles são os Fat White Family.
Texto: Sandra Pinto
Fotos: Luís Pissarro
A noite começou com a actuação dos Cancro, banda que junta Tiago Lopes, José Penacho (Marvel Lima e Riding Pânico) e Fábio Jevelim (Riding Pânico e Paus). Como referiu Tiago Lopes na altura do lançamento do primeiro registo discográfico, “+(mais)”, este é um projecto «mais incisivo que tem como finalidade chamar a atenção para certas coisas».
Pelo meio dos beats electrónicos e das guitarras”, os Cancro falam de «coisas que fazem cancro ao mundo«», pois apesar do nome da banda, é intenção dos seus elementos falar de temas relacionados com a sua observação social e do mundo». Bastante enérgicos na sua actuação, ou não fossem eles músicos já com experiência, os Cancro mostraram possuir uma tremenda intensidade e pujança musical, o que fez deles a escolha acertada para abrir para os Fat White Family.
«Espero que gostem do nosso alinhamento mais calmo», afirma a certa altura o vocalista Lias Saoudi. Na verdade, conhecidos por dar concertos intensos e quase caóticos, os Fat White family apresentaram-se no LAV com uma postura mais calma e tranquila. Aliás, esta paz musical actualmente seguida pela banda já tinha sido percebida aquando do seu mais recente registo discográfico, “Serfs Up!”, lançado em 2019. Considerado pela critica como um dos melhores álbuns do ano que há pouco mais de um mês terminou, “Serfs Up!”, apresenta uma banda mais calma onde a música surge em primeiro lugar, surpreendentemente cuidada e muitíssimo bem conseguida.
Nascida em 2011, em Peckham, no sul de Londres, pelas mãos dos irmãos Saoudi de ascendência argelina, Lias Kaci na voz e Nathan nos teclados, e pelo guitarrista Saul Adamczewski, os Fat White Family lançaram o seu primeiro álbum, “Champagne Holocaust”, em 2013. O impacto na comunidade rock foi tremendo, pois as suas canções traziam um certo psychobilly caótico, furioso e cheio de raiva como há muito não se ouvia.
Mas o seu poder demolidor e ferocidade musical não se limitavam ao disco, como pudemos constactar três anos depois quando os vimos na edição 2016 do saudoso Reverence Valada. Com o segundo álbum, “Songs For Our Mothers”, lançado nesse mesmo ano, foi de boca aberta que na altura deixaram a plateia, tal a entrega da banda que parecia trazer o fim do mundo à pacata vila. O caos instalou-se logo no início do concerto para nunca mais o abandonar. Incrível performance de uma banda ela própria a viver no fio da navalha com os seus elementos a viver no limite com dependências de drogas e álcool. O desfecho foi o expectável, com os Fat White Family a darem por terminada a carreira no ano seguinte.
Quando surge a notícia do lançamento de um novo trabalho, tendo já a banda “fugido” de Londres e estando os seus elementos a viver na pacatez de Sheffield, foram muitos os que não acreditaram que daí viesse coisa boa, sendo a postura do ver para crer. Mas a verdade é que ao lançamento das primeiras músicas de “Serfs Up!” percebeu-se que alguma coisa muito boa vinha a caminho, e, de facto, assim foi com os Fat White Family a darem ao mercado um dos melhores discos de 2019. Agora, faltava confirmá-lo em palco.
Este não é um disco que se esgota em si próprio. Ao vivo “Serfs Up!” ganha uma amplitude musical que dá asas a cada tema, e que nelas dá boleia a cada um dos que preenchia, quase por completo, a casa de concertos lisboeta. Em cima do palco, era a figura de Lias que mais captava a atenção. Debruçado sobre os fãs, percebia-se que era ali que pertencia, é ali que é feliz. Dono de umas incríveis expressões faciais, todo o seu corpo acompanha a música e cadência de cada canção. E nós vamos com ele, seguindo-o sem dele conseguir despegar o olhar. Sim, é isso que faz dele um líder fascinante de uma banda também ela cheia de carisma.
Durante o concerto, o qual, ao contrário do que tinha acontecido na noite anterior no Porto, não teve direito a encore, a banda percorreu não só o seu mais recente trabalho, como pelo meio visitou os dois discos anteriores, momentos de pura euforia para muitos os que encontravam na sala e que mostraram conhecer bem o trajecto dos Fat White Family. Aliás, houve quem tivesse ido ao concerto do Porto e depois os viesse ver a Lisboa, não é verdade Tiago André Sue aka A Boy Named Sue?
O caos pode não ter sido tanto como em 2016, certamente não foi, mas o ambiente positivo e feliz que se sentiu no LAV foi incrível. Em cima do palco testemunhámos um profissionalismo recém-descoberto pelos músicos mas que em nada diminui o poder intenso e feroz dos Fat White Family. Muito mais unidos do que aquando os vimos da primeira vez, os músicos surgiram agora bem ensaiados e percebendo exactamente o que tinham de fazer para nos deixar, a nós, público, perfeitamente rendidos. Uma grande banda que deu um grande concerto e que se percebe tem ainda muito para dar.
Alinhamento
Auto Neutron
I Am Mark E. Smith
Tinfoil Deathstar
Fringe Runner
Heaven on Earth
Touch the Leather
Hits Hits Hits
Cream of the Young
When I Leave
Bobby’s Boyfriend
Special Ape!
I Believe in Something Better
Feet
Whitest Boy on the Beach
Is It Raining in Your Mouth?
Bomb Disneyland