Carruagem 405. Lugar 63
Carruagem 405. Lugar 63. Estes números são a lotaria que define quem me acompanha na noite que me levará de Veneza a Viena só para relembrar o sabor do Apple Strudel. Passo, com dificuldade, com a minha mochila nos corredores apertados. Mais tarde, terei de passar por pessoas que fumam à janela, grupo que conversam à volta de uma bebida ou quem tenha escolhido o corredor para dormir.
Descubro o meu lugar, abro a porta de vidro da cabine e ensaio um cumprimento em inglês. A resposta vem em coro num sotaque britânico entusiasmado. Depois de um esforço solidário para pôr a minha mochila na prateleira acima das nossas cabeças, rendo-me ao cansaço nos bancos pouco confortáveis. São 9 da noite, a janela está aberta mas o calor é infernal.
“Temos de esperar que o comboio comece a andar. Tem sido sempre assim. Depois fica um gelo”, diz-me a A. Do grupo de três meninas, é a mais extrovertida. Pergunta, responde, monologa… e sempre com o típico humor britânico. Durante a noite, só baixou o tom de voz para falar a sério sobre os miúdos de sete anos a quem dá aulas. “Têm backgrounds problemáticos. Os pais não querem saber. Mas eu não queria dar aulas noutra escola, não seria tão desafiante”.
Mais tarde, dir-me-á que o sentimento de insegurança económica em Portugal não é muito diferente do que se vive na Inglaterra que conhece: “Ninguém tenta mudar de trabalho, mesmo que não gostem do que estão a fazer…”.
Quando finalmente nos rendemos ao cansaço e tentamos dormir, encontrar o espaço para o conforto revela-se uma tarefa tão difícil quão cómica. Acabamos por afastar o sono por mais umas horas.