À conversa com Cuca Roseta

Apelidada como «a nova voz do fado», Cuca Roseta trouxe uma nova abordagem ao mundo do fado. Descomplexada e alegre, interpreta com alma os fados quase todos escritos por si. Tem em Lisboa, Amália e Florbela Espanca três portos de abrigo e na sinceridade uma sublime maneira de estar. Falámos com a fadista sobre fado, destino e muito mais.

Como nasceu o seu interesse pela música e porquê o fado?
O meu interesse pela música nasceu quando nasceu o meu interesse pelo fado. Sempre cantei como «hobby», mas nunca o tinha feito de uma forma profissional. Quando senti que tinha maturidade suficiente para entender o fado, depois de o ouvir com muita atenção, começou o meu interesse pela música, na forma de fado. O fado é uma música especial. O fado não é uma música qualquer

Cantou em casas de fado. Acha importante essa passagem na sua evolução como fadista?
Sim, sem dúvida! Acho que as casas de fado são um bocadinho o liceu e a faculdade do fado, porque é ai que nós aprendemos a improvisar e a criar no momento: Os músicos estão sempre a mudar e nós estamos sempre um bocadinho na corda bamba porque nunca sabemos o que é que vai acontecer. Esse improviso faz um pouco a magia do fado e quem não passa pelas casa de fado…é um pouco estranho, pois é aí que tudo nasce.

«Cuca Roseta» o seu primeiro disco foi produzido por Gustavo Santaolalla. Como se conheceram e como foi trabalhar com um produtor tão reconhecido?
Foi uma grande surpresa porque eu conheci o Gustavo sem saber que ele era um grande produtor e foi realmente uma pessoa que me emocionou muito na maneira como reagiu ao fado, ele ouviu fado e ficou com lágrimas nos olhos. O Gustavo é uma pessoa muito apaixonada por música e, realmente, trabalhar com ele foi fantástico. Aprendi muito sobre a música, pois os argentinos (nacionalidade de Gustavo) têm o tango e a linguagem do tango e do fado é mais ou menos a mesma. Foi mesmo uma grande sorte poder trabalhar com alguém que percebe tanto de música e que respeita tanto o fado.

Esse álbum de estreia chegou a galardão de Ouro. Ficou surpreendida com a aceitação por parte do público?
Fico sempre surpreendida. Vivo muito intensamente cada dia e cada dia agradeço muito o facto de poder cantar e de ter pessoas que ouvem a minha música e que me dizem coisas muito bonitas. Muitas vezes nós fadistas não temos a consciência de que de repente o nosso disco já está à venda e que toda a gente tem acesso a ele. Por isso, foi uma surpresa muito grande quando me disseram que tinha vendido 7500 unidades. Fiquei mesmo muito feliz. Quando fazemos música e quando cantamos dedicamos tanto do nosso tempo que depois ficamos felizes por saber que a nossa música faz outras pessoas felizes também. Quando temos muitas pessoas a gostar do nosso trabalho é verdadeiramente gratificante.

Editou recentemente «Raiz» onde compôs grande parte dos fados que interpreta. Em que se inspira para compor?
Como foi a primeira vez que o fiz acho que tudo surgiu do facto de ter muita coisa para dizer. O disco é um pouco a passagem da minha vida até agora. Inspirei-me nas minhas experiências as quais quis partilhar. Fui começando a escrever e foram surgindo várias histórias que fazem um pouco o resumo do que foi a minha vida até agora. Foi muito interessante puder compor.

O que lhe dá mais prazer, compor ou interpretar?
É diferente. O que me tem dado muito prazer é descobrir o fado como uma música muito sentida e muito emocional. Nós adaptamos poemas de outros poetas para contar as nossas histórias, mas desta vez, e mesmo que os meus poemas não sejam tão ricos como os dos grandes poetas que eu cantava, é engraçado sentir-me muito dentro da minha pele. Compor e ser interprete daquilo que se compõe, especialmente no fado, é uma experiência avassaladora porque vamos ao fundo de nós e damos mesmo tudo. E isso é fantástico.

«Fado do Contra» foi o tema escolhido para dar a conhecer «Raiz» ao mundo. Porquê este fado e não outro?
O «Fado do Contra» é um pouco a conclusão do disco, é o meu conceito sobre o fado.
Ainda há a ideia de que fado é só tristeza e ali eu digo que fado é um sentimento, que pode ser triste, verdade, mas que também é saudade, beleza, uma dura sabedoria ou melancolia. Além disso, esse fado contém os três tipos de fado em andamento: a primeira parte é um fado calmo, depois vem o fado picado e por último a marcha. Os andamentos vão acelerando. Este é um fado conclusão, e não havia fado melhor para dar a conhecer o disco.

«Fado da Vida» foi composto pelo «chef» José Avillez. Somos fãs das suas composições gastronómicas mas desconhecíamos esta faceta. Como surgiu esta parceria?
Foi muito engraçado porque eu conheço o José Avillez há muitos anos e estive muito tempo sem o ver. Ele deu-me esta letra há muitos anos, na altura em que eu comecei a cantar e disse «um dia que graves um disco tenho aqui uma letra». Eu sabia que ele escrevia bem e guardei a letra. Agora, passados muitos anos fui ao Cantinho do Avillez e encontrei-o lá. Foi engraçado porque eu estava a gravar o meu disco e ele perguntou pela letra que me tinha dado. Respondi-lhe que a letra já devia ser antiga e ele concordou, mas por curiosidade quando cheguei a casa fui procurar nos e-mails aquele que ele me tinha enviado com a letra e li. E, foi muito engraçado porque eu andava à procura de um poema de uma oração para fechar o disco. Gosto de terminar assim os meus discos, o primeiro terminava com o «Avé Maria fadista». Acho que já começa a ser quase uma tradição minha terminar os discos com uma oração, se bem que este é o segundo, mas eu acho que vou querer sempre acabar dessa forma. Quando li o poema pensei «é este o último fado do disco»! E assim foi. A letra é incrível.

Amália, Florbela Espanca e Lisboa. Três das suas grandes influências?

Não podia fazer um disco sem homenagear a Amália, sem homenagear Lisboa e sem homenagear Florbela Espanca. Realmente essa pergunta é muito interessante porque fazendo um disco que é tão meu tinha que ter essas três homenagens.

Há quem lhe chame “A nova voz do fado” agrada-lhe o título?

Não sei…(risos). Agrada-me uma coisa, é dizerem que eu canto fado porque no início quando eu comecei a cantar e não usava preto, nem xaile, as pessoas diziam que a imagem não tinha nada a ver com o fado e eu ficava muito triste. Isto porque eu gosto tanto de fado e respeito tanto o fado que me custava estar a ser criticada por uma coisa que é superficial, que é a forma como eu me visto. O fado é uma coisa completamente da alma, é algo superior a isso tudo. Ficava muito triste com esses comentários e fico feliz por dizerem que sou a nova voz do fado, porque ao menos é do fado e não de outra coisa qualquer (risos).

Vê no reconhecimento um prémio merecido ou apenas uma consequência do seu trabalho?
Sem dúvida que nós trabalhamos muito. As pessoas não têm noção que para cantar é preciso trabalhar muito. Ás vezes dizem-me «tu chegas abres a boca e cantas» e não é nada disso. Nós trabalhamos muito e dedicamos muitas horas ao trabalho. Aliás, quando cantamos os outros divertem-se e nós trabalhamos. O que também não deixa de ser uma grande sorte porque nós trabalhamos com a nossa paixão. Seria uma grande frustração dedicar tanto tempo à musica e não haver um reconhecimento. Mas nunca esperei tanto reconhecimento. A mim bastava-me poder cantar. Estaria feliz na mesma se tivesse metade do reconhecimento que tenho hoje.

Canta com paixão. Em que pensa quando canta?
Quando canto não penso. Cantar é como entrar noutro mundo. Existe uma história e existe um sentimento dentro do poema e quando cantamos entramos completamente dentro dessa história e contamo-la palavra a palavra dando toda a emoção que aquelas palavras nos fazem sentir. É um pouco difícil de explicar. Há uma transformação que verdadeiramente nos tira um bocadinho da terra. Em alguns fados que canto, estou tão dentro do sentimento que me esqueço que tenho à minha frente imensas pessoas, especialmente nos fados mais tristes. As pessoas batem palamas e eu fico com vergonha pois parece que acordo e regresso nesse momento à realidade

Acha que os portugueses conhecem bem o fado?
Já há bastantes pessoas a conhecer, mas existe ainda um grande preconceito em relação ao fado, principalmente nas pessoas mais novas que não querem sequer ouvir. Dizem que é uma música muito triste, de alguém que se está sempre a queixar. Ora esta é uma ideia completamente errada sobre o fado. Muitas dessas pessoas quando me vão ouvir ao vivo, ficam rendidas afirmando que os fados que eu canto são lindos, que não têm nada que ver com os «outros» fados. Eu respondo que não tem nada que ver com o fado que eu canto, é o fado que toda a gente canta. Esse preconceito existe e deixa muita gente longe do fado. Na verdade, acho que nem toda a gente conhece bem o fado.

Qual a sua fadista preferida (o) e a sua maior influência?
Além da Amália que já referimos antes, gosto muito da Ana Moura, como pessoa e como artista. Acho que é uma pessoa que merece tudo. Também gosto muito do Camané. Sem qualquer hesitação digo que são as três vozes do fado que mais oiço.

Se um dia a desafiassem para cantar em dueto com quem gostaria de cantar?
Com o Michael Bublé!

Qual o seu maior sonho e, como fadista, o seu maior receio?
Talvez seja tudo um pouco contraditório, mas o meu maior sonho é continuar a cantar, enquanto que o meu maior receio é estar longe muito tempo por causa da música.

Acredita no destino?
Acredito sim. Acredito que existem coisas que nos são postas à frente e que nós não escolhemos. Depois temos a liberdade de aproveitar ou não essas oportunidades. Nós fazemos as escolhas.

É hoje aquilo que sempre desejou ser?
Engraçado, eu diria que sou um pouco mais do que isso. Eu diria que andei a minha vida inteira à procura de saber para que é que tinha nascido. Andava já um pouco desesperada, andei no curso de direito dois anos, depois tirei o curso de psicologia, depois tirei uma pós graduação em marketing e comecei a tirar antropologia. Na verdade, andava completamente perdida. Acho que acabei por me encontrar a mim própria, mas foi tudo ainda mais bonito, porque o fado chamou-me. Foi mesmo o destino, pois nada na minha vida diria que ia parar aqui, ao fado. Existiu mesmo um chamamento. Nasci para cantar fado. Hoje em dia sinto-me muito confortável por saber que estou a trabalhar com aquilo para que nasci. Tudo o que eu sou, faz sentido com o fado.

Por Sandra Pinto

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