Com um título já de si provocador, FKNKU é o mais recente single da banda UNSAFE SPACE GARDEN, um grito visceral contra a indiferença, a auto-sabotagem e as feridas invisíveis que todos carregamos. Entre fuzz agressivo, variações de intensidade e sintetizadores que pontuam os momentos de respiro, a canção transforma a inquietação interna em música, explorando a tensão entre caos e precisão. O videoclipe, concebido em colaboração com André Tentugal e Frederico Ferreira, reforça a narrativa visual da canção, fazendo do corpo um verdadeiro campo de batalha onde emoções e estados de espírito se manifestam.
Por Sandra Pinto
Nesta entrevista, UNSAFE SPACE GARDEN falam sobre o processo criativo, as escolhas sonoras e visuais, a relação com o público e a coragem de confrontar temas pessoais e coletivos, mantendo sempre a vontade de atravessar, mais do que simplesmente agradar.
O título “FKNKU” já é, por si só, provocador. Qual foi a intenção por trás dessa escolha tão direta?
Criar a FKNKU foi toda uma jornada cirúrgica. Depois de muita batalha com a ideia inicial, a canção foi-se tornando num ensaio sobre a auto-sabotagem (da qual sofremos ao criá-la) e de repente tinha uma parte super gráfica sobre ser aberto ao meio, de nos apunhalarmos a nós mesmos nas costas, e depois como somos quem somos, surgiu a facada na retaguarda.
O single é descrito como um grito contra a indiferença. Que tipos de indiferença a banda pretende confrontar?
A indiferença perante a situação absolutamente inexplicável de estar vivo. Se houver indiferença perante o se existir, é porque não se está atento. Se houver indiferença perante as mil e uma maneiras que o ser humano arranja de se eliminar e sabotar, visto que somos todos capazes das coisas mais impressionantes concebíveis, e ainda assim, olhem a luta que é estar vivo, então ainda há motivos para se cantar sobre as facadas na retaguarda, tanto de cada um para si mesmo, como o ser humano coletivo.
A letra trata de “dor aprendida” e “cortes invisíveis”. Até que ponto a música é autobiográfica e até que ponto é uma observação do mundo à volta?
Até ao ponto pérola mesmo! É autobiográfica porque só poderíamos falar tendo larga experiência no departamento da sabotagem. E é muito claro que é uma situação pela qual praticamente toda a gente passa, seja assumido ou dissimulado. Trata-se de um automatismo bastante transversal, e olhando para a situação DILACERANTE na qual se encontra a humanidade atualmente, claramente pôs-se um megafone na voz da autossabotagem coletiva.
Vocês falam em música que “não procura agradar, procura atravessar”. Como definiriam o objetivo principal de “FKNKU” para quem ouve pela primeira vez?
O objetivo principal é que a abertura a meio seja uma que permite que saia luz de cada um de nós, ao invés de nos apunhalarmos a nós mesmos para andar feridos e a mancar, e a magoar-nos uns aos outros como consequência da dor que carregamos. Não somos arrogantes ao ponto de afirmar que sabemos perfeitamente como é que se faz, mas a nossa vontade é sempre a de tentar iluminar minimamente as fragilidades de ser-se humano de modo a torná-las um superpoder.
Como se equilibra a intensidade sonora e o conteúdo lírico em uma canção tão visceral?
A intensidade sonora é equilibrada pelo nosso técnico maravilha Rafael Silva e pelo nosso Dr. Micronuances Filipe Louro. Ao compor, eu (Alexandra) e o Nuno somos sempre muito fãs da máxima do ‘mais é mais é mais’. O Filipe e o Rafa fazem com que esse caldo de caos seja algo mais discernível ao ser gravado, com a ajuda intergaláctica do João Cardita e do José Vale. Contra todas as probabilidades eles todos lá se entendem e sacam coelhos destes da cartola. Estamos muito gratos a eles e ao Diogo Costa por conseguirem pegar nas maluqueiras que criamos e elevar ainda mais. Certamente que qualquer um deles poderia dar uma masterclass sobre fazer do caos algo que dá para abanar a anca.
O texto menciona o fuzz agressivo das guitarras e as variações de intensidade. Como surgem essas escolhas de arranjo na hora de compor?
Na hora de compor, é tudo um bocado intuitivo. Não perdemos muito tempo na precisão e minúcia, há uma resposta a uma sensação de inquietação que se traduz num teatro que só sabemos escrever com música. Na parte mais de gravação ou de ajuste de arranjo é que podem surgir escolhas mais pensadas, como o fuzz das guitarras nesta música. Na versão da demo, as guitarras não tinham esta garra toda, isso já foi quando a receita se pôs em prática com o Rafa e o resto da banda ao gravar. Em particular, o Rafa dedicou muitas horas a brincar e a engenhar esta loucura toda que se ouve.
Os sintetizadores assumem protagonismo em alguns momentos. Como é o processo de decidir quando a eletrónica entra em cena?
Mais uma vez, na hora de compor, é tudo um bocado intuitivo. Os sintetizadores normalmente vêm colar, espacializar ou adocicar diferentes partes dos arranjos. Ainda assim, esta música em específico surgiu do teclado. Só nos estamos a aperceber disso no momento em que estamos a escrever isto.
O caos e a precisão são marcas do som da banda. Como conseguem manter essa tensão sem perder a coerência da música?
É um bicho pluricabeçudo ou multicabeçal! É a parte mais complexa na hora de compor. O mais fácil é começar e chegar a algo que nos interessa. O difícil é continuar. A “FKNKU” teve 8 meses na marca do 1 minuto. Existem dezenas de versões e opções que não nos enchiam as medidas. Mas houve um dia em que demos por ela e estava feita. Portanto, talvez o segredo para manter a tensão sem perder a coerência seja persistência e honestidade, na medida em que temos mesmo de ser sinceros com nós mesmos e admitir se a coisa está ou se está mais ou menos. Se está mais ou menos, não serve.
O vídeo de “FKNKU” é descrito como uma extensão orgânica da canção. Qual foi o conceito principal por trás da imagem e da narrativa visual?
Este vídeo é todo ele do imaginário do Filipe. Foi algo que foi aparecendo, tinha de responder aos diferentes estados da canção. Ele tinha uma ideia de ter o Frederico Ferreira como ator porque o conhece bem e descrevia o quão expressivo ele é, e o quão perfeito seria para personificar esta música. Depois tivemos a magicar com o André Tentugal, a estudar referências e no final, com a ajuda da Sara Ribeiro a criar o majestoso penedo rabial, temos este vídeo do qual nos orgulhamos muito.
Como foi o processo de colaboração com André Tentugal e Frederico Ferreira? Houve liberdade total ou houve desafios em conciliar visões diferentes?
Foi super fácil trabalhar com o André porque ele sabia exatamente o que vetar e o que fazia sentido, e ainda dava ideias por cima. Além disso, é ultra eficaz e prático na hora de filmar. Houve liberdade total, mas havia coisas que ele sabia imediatamente que não iam funcionar e que não valia a pena explorar, o que tornou o processo muito mais simples. Com o Fred foi só um gosto enorme. Adoramo-lo e foi estar com um amigo e divertirmo-nos ao máximo. Depois, à medida que íamos gravando, ele excedia-se constantemente com uma prestação exímia, não obstante dos pedidos mirabolantes que tínhamos para ele. O Fred é um excelente e prezado músico, mas também podia fazer carreira como ator se quisesse. Além disso, tem um coração de ouro.
O corpo é apresentado como “campo de batalha”. Que mensagem esperam que o público capte dessa metáfora?
Bem, é através dele que nos impomos e construímos e destruímos e agarramos e amamos e por aí fora. Não é tudo o que somos, mas é uma ferramenta para o bem e para o mal, e é nele onde tudo acaba por se mostrar. As nossas doenças e estados de espírito acabam por se reflectir no nosso corpo, nas nossas feições, na nossa postura. Não sabemos se o corpo é um campo de batalha, mas havendo uma batalha interna, é garantido que o corpo demonstra as feridas.
Depois de participarem em festivais importantes como NOS Primavera Sound e Paredes de Coura, como se sente a evolução da banda ao vivo?
Tentamos sempre melhorar e desafiar aquilo que fazemos. Ensaiamos muito e construímos o espetáculo para cada concerto. Nesse sentido, fomos percebendo que cada concerto merece a sua especial atenção: Onde vamos tocar? É um teatro? É um bar? É um festival? Que festival é? É dentro ou ao ar livre? Tem projeção? Faz sentido tocar esta ou aquela música? Acho que esta atitude nos torna melhores músicos e performers porque nos obriga a tirar o tapete e a experimentarmos novas formas de interação com o público que vamos encontrar. O maestro e o fiscal de rigor é o Filipe Louro, que garante sempre que o nosso standard não adormeça ou estagne.
Como “FKNKU” se conecta com o álbum anterior, “WHERE’S THE GROUND?”, e com a trajetória da banda até agora?
Este single é uma extensão dum saltitar entre a língua portuguesa e a inglesa que existem no “WHERE’S THE GROUND?”. Começamos a pensar no que seria ter músicas que se dedicam só à língua portuguesa e o que isso nos provocaria a nós e ao público. O que é que isso quer dizer? Nós sentimos que há um jogo de afastamento e aproximação enquanto trocamos duma língua para a outra e sentimos que o português nos aproxima do público (quando este é português). É uma espécie de “esconde-esconde” que jogamos com o ouvinte/espectador. A “FKNKU” é a primeira vez em que não há esconderijo, é tudo em português de Portugal, mais concretamente do Minho. Conecta-se com a nossa trajetória, na medida em que pode significar para nós uma coragem qualquer.
A banda afirma que não faz música “sobre o mundo”, mas contra a inércia. Como traduzem essa postura na criação musical e na performance ao vivo?
Toda a nossa performance em palco procura ativar as pessoas que nos veem. Queremos que haja interação, que as pessoas se sintam parte do que estão a ver, queremos que essa comunhão as alumie alguma sensação de pertença à mesma coisa, à mesma premissa. Acaba por ser esse o objetivo deste projeto. E a criação das músicas contempla já isso, é a matéria-prima que vai servir de objeto de ativação.
O que vocês esperam que a música provoque nos ouvintes – reflexão, desconforto, ação?
Lá está, uma sensação de pertença à mesma coisa. Uma sensação de comunhão, de comunidade.

