The Parkinsons no Sabotage
Quatro décadas depois da revolução de abril, é urgente continuar a acreditar, a lutar, a gritar, a fazer com que oiçam a voz que é nossa e que revela anseios e esperanças. Quatro décadas depois da revolução, o palco do Sabotage Rock Club encheu-se de uma energia pura que, contra a corrente, faz da música uma via para a revolução. Sangue, suor e lágrimas, disse Winston Churchill um dia. Riffs, suor e stage diving dizemos nós ainda no rescaldo da noite que vai marcar a história do Sabotage Rock Club como aquela em que os Parkinsons deitaram, literalmente, a casa abaixo.
A celebrar um ano de vida, aquele que é já o melhor clube de rock da capital não podia ter dado melhor início às comemorações, que vão ter continuidade já nos dias 01 e 02 de maio com duas noites repletas de boa música. Mas disso falamos noutra altura.
Agora o que interessa é deixar para memória futura umas linhas sobre o que se passou ontem ali no Cais do Sodré. Nasceram em Coimbra para conquistar o mundo, tendo começado a jornada em Londres onde deixaram de boca aberta a imprensa local. Sobre eles The Guardian diz «a Parkinsons gig is probably the closest most of us will come to experiencing what an early Sex Pistols appearance was actually like», o que só por si desvenda muito daquilo que os Parkinsons são ao vivo.
Mas nada como viver in loco a prestação de Afonso Pinto, Victor Torpedo, Pedro Chau e Carlos Mendes ou Kalo. A energia quase animal que transparece da música dos Parkinsons revela uma força e uma entrega únicas. À medida que o concerto se desenrola percebemos o quanto gostam de estar ali, juntos.
Vítor não pára, de sorriso quase sempre estampado rosto é a imagem evidente da felicidade de um músico no seu habitat natural; mais tranquilo, Pedro mantém um ar de inalcançável estrela de rock, ar que lhe fica tão bem; na bateria Kalo marca o ritmo do quarteto que tem no vocalista Afonso o seu expoente máximo e a sua mais pura génese. Irrequieto, imparável, agitado e um pouco louco, é assim que Afonso se apresenta perante um público que lhe exige muito, mas que lhe devolve ainda mais. A ligação algo visceral entre o vocalista e o público que se encontra praticamente colado ao palco do Sabotage é por demais evidente, um não vive sem o outro.
No concerto foram desfilando tal como as contas de um rosário, os temas que fazem já parte da história da banda como Back to Life dedicado aos recentemente desaparecidos Rui Rocker e João Ribas. Foi bonito, sim senhor! Verdadeiros senhores do punk nacional, depois de A Long Way To Nowhere (2002) e de Down To The Old World (2005), os Parkinsons deixaram todos colados a Back To Life, o seu mais recente registo discográfico onde resgatam do passado as malhas que fazem do punk aquele género musical que algos estranham mas que em tantos outros se entranhou há décadas.
A química que existe entre os quatro elementos da banda é transmitida para o público sem subterfúgios ou grandes invenções. Os Parkinsons transbordam carisma contagiando sem problemas a plateia de uma ponta à outra, trazendo todos, mas mesmo todos para dentro da sua festa, sem que ninguém se sinta de fora ou intimidado.
Tendo parado pouco em cima do palco, Afonso, já de troco nu, experimenta o primeiro de muitos stage diving da noite, deslizando por cima da plateia transportado pelas mãos do público. Temas como “Good Reality”, primeiro single do mais recente álbum e do qual destacamos as seguintes palavras «now i´m living in the fast track; in a planet full of life; with no people and no mad men; no politicians and no lies», ou “Girl From Another World” fizeram o delírio dos muitos que enchiam por completo o Sabotage. Sem dar conta do passar do tempo, o concerto chegava ao fim para pena de todos, banda e público.
Mas as hostilidades musicais da noite de véspera de revolução de abril foram abertas pelos The Dirty Coal Train e que belas hostilidades. Desfiando as muitas pérolas que integram o seu homónimo álbum de estreia, a banda lisboeta trouxe ao palco do Sabotage memórias maiores de Lux Interior e Poison Ivy, e foi tão bom!
Foi bom, sobretudo porque memórias são memórias e o quarteto soube ir muito mas muito para além delas trazendo o seu garage rock para o século XXI. Riffs poderosos combinados com vozes certeiras foram a combinação certa para um concerto bem conseguido. Do alinhamento destacamos “Malasuerte”, “Lucy” e, claro, “Two Zombies”, que sendo uma das nossas preferidas reflete bem o ADN da banda onde os zombies ocupam um espaço muito especial!
Texto: Sandra Pinto
Fotos: Luís Pissarro