Edgar Raposo e Flávia Diab: “A Groovie Records quer ser um espaço vivo, onde música, arte e comunidade se encontram”
A Groovie Records, referência da música independente em Lisboa há mais de 20 anos, prepara-se para dar um passo ousado e transformador na sua história. Após acompanhar a evolução da cidade e das suas ruas — da Baixa ao Cais do Sodré e, nos últimos oito anos, nos Anjos — a editora e loja de discos enfrenta agora um novo desafio: mudar-se para um espaço maior, com 500 m², que permitirá expandir a sua missão cultural. Este novo projeto não se limita à venda de discos ou à edição musical. Mais do que isso, pretende criar um espaço de encontro, produção e fruição artística, combinando loja, editora, sala de concertos, estúdios de gravação, salas de ensaio, áreas para residências artísticas, workshops e exposições. Num momento em que Lisboa assiste ao desaparecimento de muitas iniciativas culturais independentes, a Groovie Records quer oferecer um ponto de apoio e sinergia para músicos, artistas e público, fortalecendo a cena cultural local.
Por Sandra Pinto
Para tornar este ambicioso projeto possível, a Groovie recorreu ao financiamento coletivo através do Indiegogo, convidando a comunidade a participar ativamente na construção deste espaço plural e inclusivo. Edgar Raposo e Flávia Diab partilham, nesta entrevista, a visão, os desafios e as oportunidades que este novo capítulo representa, revelando como a Groovie Records continua a reinventar-se sem perder a sua essência independente.
O que motivou a Groovie Records a mudar-se para um espaço maior em Lisboa e de que forma imaginam que isso vai transformar a cena cultural local?
Desde que a Groovie Records nasceu, fomos acompanhando a transformação da cidade e dos bairros — mudando de morada, mas sempre a tentar manter-nos no centro de Lisboa. Assim vimos a transformação da paisagem e do tipo de comércio na Baixa, quando passámos pela Rua dos Fanqueiros e pela Rua de São Paulo, no Cais do Sodré. Há oito anos estamos nos Anjos e, por razões de força maior, a loja foi posta à venda e vimo-nos obrigados a sair. Depois do susto e de todas as angústias que é hoje o arrendamento de um espaço em Lisboa, resolvemos fazer disto uma oportunidade e procurar um sítio maior e com melhores condições.
Por obra do acaso e sorte, acabámos por encontrar este novo espaço, com 500 m², e junto com ele o desafio de criar um novo conceito para o nosso projeto.
A cidade vem assistindo ao desaparecimento e ao asfixiamento de coletividades e associações culturais. Esperamos que este novo espaço possa ser uma alternativa acessível e viável para artistas e projetos culturais — um espaço para trabalhar, ensaiar e partilhar produções artísticas, com um sentido de comunidade. Nesse sentido, queremos criar um local de acolhimento a propostas, num momento em que assistimos o fechamento de tantos espaços da cena cultural lisboeta.
Quais serão as principais funcionalidades do novo espaço? Para além da loja de discos e da editora, como poderá o público interagir com os novos projetos culturais que estão a planear?
O nosso espaço continuará a ser a sede da editora e da loja, mas o conceito expande-se — o coração do projeto passa a ser apenas parte integrante deste coletivo maior. Neste novo espaço teremos uma pequena sala de concertos (para cerca de 70 pessoas), um estúdio de gravação e duas salas de ensaio para bandas — uma grande lacuna para os músicos atualmente na cidade.
Além disso, teremos disponível uma sala multiusos, com condições de trabalho para aulas e artes performativas, para artistas e coletivos. Iremos acolher outros artistas residentes, com foco em fotografia e artes visuais. A nossa estrutura poderá ainda acolher outras iniciativas, como workshops pontuais, exposições e eventos. Teremos ainda um pequeno bar, onde as pessoas possam beber um copo e escutar boa música. Desejamos que seja um espaço de circulação e sinergia entre artistas, com programação regular. E, claramente, precisamos de parcerias para garantir a sua sustentabilidade.
Optaram pelo Indiegogo para a campanha de financiamento coletivo. Por que escolheram este modelo e como permite que a comunidade participe no projeto?
Optámos pelo Indiegogo porque é uma plataforma internacional que facilita o apoio direto de pessoas que se identificam com o nosso trabalho e com a música independente. O modelo de financiamento coletivo permite que a comunidade participe ativamente no projeto — não apenas como espectadora, mas como parte importante da sua concretização. Há 20 anos que a Groovie Records tem trilhado o seu caminho de forma altruísta, independente e sem apoios do Estado. Ao longo destas duas décadas também apoiámos incontáveis vezes artistas e a música independente — achámos que agora era a nossa vez de pedir apoio à comunidade.
Qual é o objetivo principal da campanha e que elementos do espaço dependem diretamente do sucesso do crowdfunding?
Apesar de o novo espaço integrar outras atividades e ações, resolvemos focar esta campanha no objetivo de apoiar a construção da sala de concertos, ensaios e gravação — a parte mais complexa e tecnicamente exigente do novo espaço. O sucesso do crowdfunding será importante nas condições que queremos garantir: isolamento acústico, tratamento sonoro e infraestrutura técnica de qualidade profissional, para que o espaço possa funcionar em pleno e receber artistas e projetos nas melhores condições. Estamos determinados a encontrar os meios e soluções necessários para que este projeto seja viável — esse sempre foi o espírito da Groovie. Mas é claro que o sucesso do crowdfunding terá um impacto direto e imediato no que estamos a construir.
Existem recompensas ou experiências especiais para quem apoiar a campanha? Se sim, podem partilhar alguns exemplos?
Sim. As recompensas foram pensadas para refletir o espírito da Groovie e o nosso trabalho ao longo dos anos — há discos, edições limitadas, download digitais, descontos na nossa loja no bandcamp, e outras ofertas ligadas ao universo da editora. São uma forma de agradecer o apoio e, ao mesmo tempo, partilhar um pouco do que fazemos e da nossa identidade.
Como esperam que o novo espaço contribua para músicos, artistas e fãs em Lisboa e na cena cultural mais ampla?
Apesar de a Groovie Records ter a sua identidade musical mais centrada no garage rock, psicadelismo, surf, punk e soul, o novo espaço não pretende ser limitador, mas amplo e plural — refletindo a diversidade musical da cidade, que hoje reúne géneros e sons de todos os cantos do mundo, numa mistura extremamente multicultural e rica. Nesse sentido, estaremos de portas abertas a ideias e projetos diversos, para que o espaço seja realmente um lugar de fruição cultural, acolhendo as mais variadas iniciativas — não apenas centradas na música, mas também nas artes visuais, performativas e comunitárias. Assim, queremos ser mais um polo independente de referência para a cena cultural da cidade e continuar a receber o nosso público.
Que tipo de envolvimento ou feedback esperam da comunidade que apoiar o projeto, para além das contribuições financeiras?
Mais do que o apoio financeiro, o que esperamos é uma verdadeira relação de envolvimento da comunidade e do público. Queremos que este novo espaço seja construído também a partir das pessoas — artistas, público, vizinhos, amigos — que queiram propor atividades, partilhar ideias ou simplesmente conviver, escutar música e beber um bom copo. O objetivo é que não seja apenas um local da Groovie, mas um ponto de encontro e colaboração entre diferentes projetos culturais, artistas e público. Um espaço que possa crescer de forma orgânica, a partir das necessidades e contributos de quem o vive e acredita na importância de manter viva — e em constante construção — uma cena independente em Lisboa.
Para além da vertente cultural e musical, têm planos de realizar workshops, residências artísticas ou outros eventos que promovam a criação e a colaboração artística?
Sim. O novo espaço foi pensado exatamente para permitir essa diversidade de usos. Queremos que ali aconteçam workshops, residências, encontros e exposições — iniciativas que estimulem a criação, a troca e a colaboração entre artistas de diferentes áreas. A ideia é que o espaço funcione como um ponto de apoio à produção cultural independente, oferecendo condições para experimentar, criar e apresentar novos projetos. Estamos abertos às mais diferentes parcerias — pontuais, médias ou de longa duração.
Mais do que um local físico, queremos que este novo espaço da Groovie se torne um território de possibilidades — um lugar onde a música e as artes possam acontecer com liberdade. Um espaço vivo, em construção permanente, feito por todos os que acreditam que a cultura independente continua a ter um papel essencial na cidade.
Podem contribuir através deste link.