Dream Theater no Campo Pequeno, uma viagem pelo tempo e pela memória
Os norte-americanos Dream Theater vieram a Portugal para apresentar o seu mais recente trabalho, “Distance Over Time”, e para celebrar os 20 anos do lançamento daquele que é um dos álbuns mais icónicos da sua carreira, “Metropolis Pt. 2: Scenes from a Memory”.
Texto: David Pissarro
Fotos: Everything is New
Formados em Long Island, nos EUA, em 1985, por John Petrucci, John Myung e Mike Portnoy, antigos alunos da prestigiada Berkley College of Music, os Dream Theater são um dos maiores nomes do metal progressivo, pelo que, se procurarmos a definição deste género, certamente que nas primeiras referências vai aparecer o nome da banda. A verdade é que, alargando os horizontes e os limites do metal, os Dream Theater são um dos nomes do metal mais influentes, inspirando inúmeros músicos e artistas.
Actualmente a banda é formada por John Petrucci, John Myung, Jordan Rudess, Mike Mangini e James Labrie, formação com a qual se apresenta tanto em disco como ao vivo. Time signatures estranhas, mudanças de tempos inesperadas e uma musicalidade insana, é o que torna os Dream Theater no que são hoje, gigantes do prog.
“Distance Over Time”, lançado em 2019, é um álbum um pouco diferente daquilo a que a banda nos habituou. O grupo que, normalmente, toca diversas time signatures e mudanças muito bruscas de tempo, arriscou neste trabalho algo diferente, apresentando um álbum com uma time signature bastante constante e com riffs que fazem lembrar muito mais a sonoridade do “metal moderno”. Um trabalho mais baseado no groove, mas que, no entanto, não esquece a técnica, onde surgem grandes toques de heavy metal tradicional e um “cheirinho” a Tool. Foi uma aposta arriscada, porém, muito bem sucedida que adicionou uma sonoridade diferente no seu vasto catálogo de trabalhos.
A banda norte-americano decidiu dividir os espectáculos da tour em duas partes: a primeira composta por músicas de “Distance Over Time” e de outros álbuns; e a segunda preenchida na totalidade pelo álbum “Metropolis Pt. 2: Scenes from a Memory”, que tocado na íntegra despertou ainda mais o interesse no público, enchendo a noite daquele prog que todos adoramos.
Iniciando o concerto com uma faixa instrumental, “Atlas”, a qual criou a atmosfera certa, o quinteto entrou em palco a “rasgar” com “Untethered Angel”, uma das melhores músicas do novo álbum, na nossa opinião. Com um grande solo de John Petrucci e outro de Jordan Rudess, esta música deu inicio àquele que ia ser um grande espectáculo. A primeira parte acabou com outra grande música do novo trabalho, “Pale Blue Dot”.
Após um intervalo de vinte minutos, o grupo voltou a palco para apresentar na totalidade a obra-prima “Metropolis Pt. 2: Scenes from a Memory”.
Abrindo, obviamente, com “Regression”, a banda mostrou ao público lisboeta ao que vinha: relembrar um grande álbum e mostrar àqueles que não o puderam ver na altura, um espectáculo inteiro centrado nele, como explicou o frontman, James Lebrie, numa das suas interacções com o público.
Ao fundo do palco durante toda a segunda parte foi apresentado um filme de animação em forma de BD para ajudar o público a perceber a narrativa do álbum conceptual, o qual narra a história de Nicholas, um homem que descobre que na sua vida passada foi Victoria, uma rapariga que foi assassinada e que lhe aparece para contar a verdade sobre a sua morte. Este é um trabalho sobre a memória, o amor, os vícios, o tempo, a vida e a morte.
Curiosamente, o álbum é uma continuação da música “Metropolis Pt. 1: The Miracle And The Sleeper”, presente no segundo álbum da banda, “Images and Words”.
Durante o concerto, quando a música se apresentava apenas sob a forma instrumental, LaBrie saia de palco para ceder o total protagonismo aos seus colegas, um aspecto interessante e que faz bastante sentido, visto que o grupo tem grandes partes das músicas sem vocais.
Nas quase três horas de concerto, o quinteto norte-americano não desapontou e levou mais além as expectativas dos presentes no Campo Pequeno, com grandes performances por parte de todos os músicos, especialmente de John Petrucci e Mike Mangini.
Mas, para nós que, enquanto músicos, somos seus grandes fãs, a performance da noite foi a do lendário guitarrista, John Petrucci. Sendo, actualmente, um dos maiores guitarristas no mundo do metal, Petrucci teve em palco um desempenho perfeito, sem erros e com uma variedade de tones incrível, desde cleans belíssimos a uma distorção agoniante.
A performance do mestre da bateria, Mike Mangini, foi algo que todos estávamos à espera: uma completa “besta” no kit, um espectáculo fabuloso de uma enorme complexidade rítmica e técnica. Apesar de ter entrado apenas em 2011, o músico já provou estar ao nível do antigo baterista do grupo, Mike Portnoy e, possivelmente, mais além, surpreendendo com fills insanos até uma pequena parte com blast beats.
O baixista John Myung deu igualmente uma prestação de referência e grande técnica, atingindo o pico na muito esperada, “ The Dance of Eternity”, onde o baixo é o principal fio condutor da música.
Jordan Rudess, nas teclas, tocou sem falhas, mostrando que afinal não é só um teclista, mas sim um stage man, saindo de trás do seu piano para surgir na frente de palco a tocar no seu teclado-guitarra solos fantásticos, algo que não se vê todos os dias.
James LaBrie, o vocalista que, em 1991, entrou para a banda, não desapontou, adicionando o seu próprio estilo e a sua voz tão distinta à música dos Dream Theater. Entrando em palco com uma óptima energia, interpretou todos os temas com uma grande intensidade e emoção, destacando-se em “Untethered Angel” e “At Wit’s End”. Impossível não referir “Home”, uma grande música interpretada pelo grupo na perfeição, onde o público cantou o refrão em uníssono trazendo muita emoção ao momento.
Depois de tocarem “Finally Free”, a banda abandona o palco. Mas a noite não terminaria ali, pois, após um insistente pedido por parte do público, os Dream Theater regressaram para interpretar “At Wit’s End”, num encore de quase 10 minutos de duração.
Do lugar onde nos encontrávamos, o som esteve bem, pelo que as camadas de efeitos surgiram impecáveis. No entanto, o volume do baixo de John Myung podia estar um pouco mais alto, sendo que em certos momentos quase não se ouvia o que foi pena, visto que Myung é um grande músico e mestre do seu instrumento.
Para nós este foi, certamente, um dos melhores concertos do ano, e esta uma noite memorável por todos os que marcaram presença no Campo Pequeno.
Setlist
– Atlas
Act I:
– Untethered Angel
– A Nightmare to Remember
– Fall Into the Light
– Barstool Warrior
– In the Presence of Enemies, Part I
– Pale Blue Dot
Act 2 (Metropolis, Part 2: Scenes From a Memory):
– Act I: Scene One: Regression
– Act I: Scene Two: I. Overture 1928
– Act I: Scene Two: II. Strange Déjà Vu
– Act I: Scene Three: I. Through My Words
– Act I: Scene Three: II. Fatal Tragedy
– Act I: Scene Four: Beyond This Life
– Act I: Scene Five: Through Her Eyes
– Act II: Scene Six: Home
– Act II: Scene Seven: I. The Dance of Eternity
– Act II: Scene Seven: II. One Last Time
– Act II: Scene Eight: The Spirit Carries On
– Act II: Scene Nine: Finally Free
Encore:
– At Wit’s End