A minha vida num disco: Ricardo Agostinho do site [ar.cai.co]
Começou no mundo das fanzines em papel, na década de 90. Em 2003 deu inicio á sua colaboração com a revista Riff e desde o início de 2006 que escreve para a revista LOUD!, «ou seja há 15 anos!» Pelo meio foi desenvolvendo alguns blogs e sites, «actualmente vou tentando desenvolver o Arcaico». Geógrafo de formação e profissão e orgulhoso pai de dois rapazitos a escolha de hoje é dele.
A minha vida num disco: Ricardo Agostinho
Nascido em 81, foi na década de 90 que descobri, construí e defini o meu gosto musical, embora, na verdade, considere que esse é um processo que nunca está fechado, uma vez que todos os dias procuro descobrir música nova e abrir horizontes. Mas as bases estão na década de 90, pelo menos se considerar aquilo que já ouvia e escolhia com um sentido crítico e de forma consciente, não considerando a música a que fui exposto durante a década de 80, a qual certamente me influenciou, mas não contribuiu para definir rumo, escolhas e preferências…pelo menos não de forma consciente.
Posto isto, não vale a pena vir para aqui dourar a pílula e romantizar algo tão natural como um processo de autodescoberta e um percurso trilhado por minha conta e risco. Não, não descobri os Pink Floyd, os King Crimson ou os Led Zeppelin através do meu pai. Descobri-os já em idade adulta e continuo a dissecar as respetivas carreiras. Não, também não foi através da minha mãe que desenvolvi uma profunda admiração pelo Zeca Afonso, pelo Leonard Cohen ou até mesmo pela Amália. Esse é um processo ainda em construção. Não, não foi pelo meu tio, que até tinha uma considerável coleção de vinil, que descobri Black Sabbath, Deep Purple ou AC/DC. Quanto muito terei descoberto os Supertramp, mas até nem lhes achei grande piada. E não, também não foi através da minha irmã, seis anos mais velha, que mergulhei em pérolas dos 80 como Joy Division, Depeche Mode, The Cure, Dead Can Dance, The Sisters Of Mercy, Cocteau Twins, Nick Cave e tantos outros nomes de culto que hoje fazem parte da minha colecção e dieta musical, E não, o fascínio por sonoridades mais pesadas e obscuras também não adveio dos discos de Iron Maiden, Celtic Frost ou Slayer daquele amigo mais velho. Estes foram descobertos mais tarde, já que a porta de entrada terá sido mesmo pela mão dos My Dying Bride, dos Anathema, dos Opeth, dos Paradise Lost, dos Tiamat ou dos Amorphis, em plena fase de afirmação e de ascensão destes e de outros nomes.
Basicamente, e na ausência de referências e guias espirituais ao nível da música, moldei o meu gosto musical por minha conta e risco, sozinho, horas a fio agarrado ao rádio gravador da minha irmã a ouvir emissões hertzianas e com os dedos a postos no botão REC para registar em fita aquela música que me transmitia algo. E ao que é que um pré-adolescente no início dos anos 90 que procurava música com alguma dose de irreverência e rebeldia ficaria irremediavelmente exposto? Ao grunge, pois claro! Sim, foi toda aquela cena diferente, despojada dos artifícios exacerbados dos 80, com malta com mau aspeto, de cabelo comprido e camisa de flanela que agarrou a minha atenção e, instantaneamente, tinha os Nirvana, os Pearl Jam, os Soungarden, os Alice in Chains, os Mudhoney ou os Temple of The Dog a fazerem parte importante da minha vida e da minha definição de personalidade.
Os meus primeiros dois discos, comprados de forma consciente, e descartando algumas escolhas ao lado que mais não serviram do que para concluir que aquele não seria o caminho a seguir (assim de repente lembro-me de Delfins, Pet Shop Boys ou de uma coletânea Now), foram os icónicos «Nevermid» e «Ten», ambos importantes, ambos estruturantes, ambos profundamente marcantes. Mas, tendo de escolher um, e analisando em retrospectiva, terei de assumir que o lado mais maduro, mais contido, mais melancólico e envolvente dos Pearl Jam acabaria por deixar uma marca mais vincada na definição dos meus gostos e da minha personalidade do que o lado mais pueril, corrosivo e inconformado dos Nirvana.
«Ten» é, ainda hoje, aquele refúgio nostálgico a que gosto de voltar com alguma frequência, que soube envelhecer, melhor até do que a própria banda, a qual continuei a acompanhar religiosamente até ao genial e mal-amado «No Code», mas que actualmente pouco me cativa, embora me mereçam todo o respeito, admiração e aquele carinho especial pela importância que assumiram numa época estruturante do meu desenvolvimento. Não é por isso de estranhar que, no meio de uma vasta colecção de discos e de géneros musicais nos quais me atirei de cabeça sempre em busca de desafio e de estímulos de novas sonoridades, esteja lá um cantinho especial e ainda considerável para a discografia de Pearl Jam, mas também para Nirvana, para Soundgarden e para Alice in Chains…qual destes nomes a maior referência!?!
Quanto a «Ten», este é daqueles discos que considero perfeitos e intemporais, com cada nota e cada palavra imortalizada na minha cabeça e com cada canção com uma história e com um momento agarrado e imortalizado, sendo, por isso, o disco de uma vida!