À conversa com Vasco Vilhena

Do jazz para a pop alternativa, Vasco Vilhena é um artista emergente no panorama musical português. Por sua própria iniciativa, o jovem músico português percorreu diversos trilhos sonoros, de onde surgiram dois discos de originais. O mais recente, intitulado Urso Solar, foi lançado no último mês de Setembro. A festa de lançamento acontece já esta semana, no dia 11 de Outubro, pelas 22h, no Clube Ferroviário, em Lisboa.

Para quem não te conhece, gostávamos que começasses por fazer uma breve apresentação tua e do teu percurso.
Ora, vejamos. O meu nome é Vasco Vilhena, tenho 25 anos, toco guitarra desde os 11 anos, piano desde os 18 e canto desde sempre. Foi na altura dos meus exames de 12º ano que me apercebi que queria dedicar-me a tempo inteiro a esta minha paixão, tendo gravado a minha primeira canção em casa, em modo DIY (“Do it yourself”). Na altura, cantava em inglês, mas quando me mudei para Lisboa para estudar Jazz, deparei-me com a quantidade de coisas incríveis que se faziam na nossa língua. Então converti-me e fiz um disco em português.

Depois do teu primeiro registo discográfico – “Treze” – lançaste recentemente o teu segundo disco, intitulado “Urso Solar”. O que podemos esperar da sonoridade deste segundo trabalho?
Diria que se formos catalogar a música por género, aproveito para avisar já que cada canção é um bocado diferente da seguinte. No entanto, diria que o disco tem alguma facilidade de ser ouvido, ao mesmo tempo que existem algumas camadas que só depois de algumas audições se conseguem desconstruir. É um disco de fim de Verão e à conta disso, tem alguma melancolia presente.

Ao longo de oito músicas, somos transportados para um universo narrativo em que, de alguma forma, encaras este alter-ego de “Urso Solar”. O que nos podes contar sobre o conceito por detrás deste álbum?
O disco conta a história de um profeta que tinha como missão advertir o serhumano sobre o seu comportamento insustentável. Esse profeta chama-se Urso Solar, vem de um lugar místico chamado Floresta Polar, e procura chamar atenção com canções de amor, de forma a encontrar a empatia do Homem. Nesse processo de tentar comunicar com o Homem, acaba por morrer sem conseguir que a sua mensagem seja levada à prática. Acaba por degelar o Último Glaciar e assim sentenciar a Humanidade.

Há certamente álbuns menos narrativos e por isso mais libertos de certos constrangimentosdescritivos. No Urso Solar, a narrativa foi um ponto de partida para a estrutura que escolheste?
Confesso que não comecei pela narrativa. No princípio foi só um exercício que me impus de fazer canções simples, despreocupadas, sem precisar de dar vazão a tudo o que já tinha aprendido sobre música. Mas depois de ouvir o trabalho do Coelho Radioactivo, apercebi-me de que estava a dar atenção aos detalhes errados nas músicas que ia escrevendo. Acabei por baptizar a personagem que deveria vestir para o tal exercício, depois de ouvir a canção Mensagem para Ursos. Urso Solar, que gosto de imaginar que pertence no mesmo universo do Coelho Radioactivo. À medida que ia compondo sob esta nova perspectiva, apercebi-me que conseguia contar uma história concisa se conseguisse montar bem o puzzle. Assim, só precisei de pensar o alinhamento do disco, que até à última foi sofrendo alterações.

No teu concerto de lançamento irás ter contigo uma banda de suporte. Ainda assim, este álbum é reflexo de um trabalho mais individual e solitário. Foi desta forma que compuseste o Urso Solar?
Na verdade, o disco era para ser só piano e voz, que foi onde as canções nasceram. Felizmente, pude contar com a mão do Diogo Almeida, que depois de muito debatermos sobre fazer arranjos de banda às canções, lá me convenceu de que devia dar uma hipótese. O argumento derradeiro foi quando fomos fazer a experiência de gravar mais instrumentos por cima, ele na bateria e eu no baixo. Resumindo, ele ganhou o debate e eu ganhei tracção de fazer o resto ao disco. Nessa altura ensaiava com uns colegas da escola de Jazz numa banda de covers e perguntei-lhes se estariam dispostos a ajudar-me no disco. Largámos as covers e focámo-nos a 100% no disco. O Armando Miranda criou frases melódicas na guitarra vindas do éter, o Simão Lamas foi quem mais me faz arquear as sobrancelhas com linhas de baixo super malandras e o Gonçalo Machado segurou a batuta quando as ideias me faltavam, tanto que ao vivo temos um arranjo alternativo para uma das canções do disco. Toco com eles há coisa de dois, três anos e sinto que as minhas canções não poderiam estar melhor entregues.

Neste álbum existe uma tríade de canções intituladas “Pele”, “Carne” e “Osso”. Qual a ligação entre estas composições?
É exactamente a decomposição do Urso Solar, se me permites o trocadilho involuntário. São as únicas canções de amor presentes no disco e é o que referia acima: o empenho do Urso à procura da empatia humana. Em Pele, o tema é sobre amor superficial, desejo, no geral. Só no fim da canção é que esse amor atinge uma profundidade maior, surgindo então a Carne. A Carne é puramente uma canção sobre amor carnal, mas já num campo mais passional. Atingindo o auge dessa canção, desce mais um nível, chegando ao Osso, onde já não há volta a dar. É nesta canção que o paralelismo da decomposição do Urso e do amor profundo estão mais interligadas. Fui buscar o romance de Haruki Murakami, “1Q84”, para lhe roubar a primeira linha da canção, fazendo alusão ao amor que queria referir “Vem ter comigo antes que alguém me encontre”, num ponto da história em que uma personagem tenta comunicar com o seu amado, proferindo palavras ao vento. Aquela ideia de pânico que se sente na falta da outra pessoa motivou-me a concluir a tríade num tom grave, e é daí que o peso da música surge – embora a letra pareça transparecer o oposto. Quando surge o instrumental, o Urso desmaterializa-se por completo, sobrando apenas a voz e um piano. As três canções são uma outra perspectiva do processo do Urso Solar a morrer, camada por camada, para entregar a mensagem ao Homem.

Tendo em conta as mensagens presentes nas várias músicas deste Urso Solar, nomeadamente sobre alterações climáticas, capitalismo ou direitos dos animais, acreditas que a música pode ser um veículo para afirmação de ideais políticos ou activistas?
Não só a música, mas a arte no geral. Gosto de romantizar a ideia de que arte é filosofia palpável, e nesse sentido tudo o que se faz tem uma mensagem para ser entregue. Reforço que isto sou eu a romantizar! De qualquer das formas, sinto que é uma oportunidade de chegar às pessoas com mensagens construtivas para a possibilidade de um mundo melhor, já que lhes estou a ocupar o tempo de antena. Sei que o tom do disco é triste e pessimista, mas é justamente o enfrentar de um futuro ao qual não gostaria de fazer parte, não pela evocação ao medo, mas pela contemplação do pior caso possível. Se a lei de Murphy já existe, para quê facilitar um futuro pior?

Tomaste a opção de cantar em português. Podes explicar o porquê dessa decisão e se encaras isso como uma marca da tua identidade enquanto artista?
Percebi que conseguia escrever as coisas que sentia de uma forma mais crua e que evocava em mim um sentimento mais genuíno pelas coisas que canto. Sinto que em português as coisas conseguem ser mais brutas e viscerais, e gosto disso. Embora sinta que seja mais fácil de escrever em inglês, julgo que sou mais sincero quando o faço na minha língua. Não diria que chega a ser uma marca da minha identidade, nem sequer me sinto patriota o suficiente para limitar a minha comunicação a uma só língua, mas é de facto um veículo muito eficaz nas coisas que sinto que preciso de dizer neste momento.

Com o lançamento deste segundo registo discográfico, quais serão os teus próximos passos?
Antes de me lançar ao próximo disco gostava de tocar uns quantos concertos, mas para ser franco, não consigo parar de magicar novas canções e de namorar possíveis arranjos para estas. Vou continuar a procurar, não me preocupando muito com a forma como as canções surgem. Quando sentir que já tenho mais uma história para contar, lanço-me ao estúdio de novo.

Por Ricardo Ramos Gonçalves

Oiça Urso Solar em https://vascovilhena.bandcamp.com/album/urso-solar e https://open.spotify.com/album/6jsS5QJcorTFVH78mtJe9b.

Saiba mais sobre Urso Solar aqui.

You May Also Like

À conversa com Cancro

Crypta anunciam concerto exclusivo no Porto

Lena d’Água lança o single “O que fomos e o que somos”

Amplifest anuncia cartaz de concertos para a edição 2024

error: Conteúdo protegido. Partilhe e divulgue o link com o crédito @lookmag.pt