À conversa com Adolfo Luxúria Canibal sobre "À Sombra de Deus IV"
Tendo como seu principal mentor Adolfo Luxúria Canibal, vocalista e fundador da banda Mão Morta, chega agora até nós a nova compilação “À Sombra de Deus IV – Braga 2012”. Para sabermos um pouco mais sobre este projeto que reúne bandas de Braga falámos com Adolfo Luxúria Canibal.
Como e quando surgiu a ideia do projeto À Sombra de Deus?
Surgiu por volta de 1987, em conversas entre mim e o Berto Borges, então baterista dos Rongwrong, como forma de preservar a memória da música que em Braga era feita na primeira metade da década de 80 por grupos entretanto desaparecidos como Auaufeiomau, Ruge-Ruge, Comédia Selvagem, PVT Industrial, Os Eléctricos Chamados Desejo ou Bateau Lavoir. Mas quando fomos falar com os músicos que tinham pertencido a esses grupos demo-nos conta que ninguém estava interessado em voltar atrás, que preferiam concentrar-se nos novos grupos que tinham entrementes formado ou integrado. Assim, o projeto passou a centrar-se no presente e no que se estava a fazer em Braga em 1988. E o primeiro volume da coletânea À Sombra de Deus, saído em 1989, é isso mesmo: a música que se fazia na cidade de Braga em 1988.
Qual o objetivo que presidiu à sua criação?
O objetivo era o de preservar para memória futura o que musicalmente se passava de relevante em Braga.
Quando foram lançadas as três primeiras compilações?
A primeira saiu em Abril de 1989, a segunda em Setembro de 1994 e a terceira em Julho de 2004.
Que bandas as integravam?
No primeiro volume havia Rongwrong, Pai Melga, Orfeu Rebelde, Os Gnomos, Bateau Lavoir, Baile de Baden-Baden, Rua do Gin e Mão Morta; no segundo volume havia Blind Panic, Dusk, Electrodomésticos, Humpty Dumpty, Industrial Metal Machine, Mão Morta, Rua do Gin, Tass, Um Zero Amarelo e Wodka Technicolor; no terceiro volume havia André Leite, Big Fat Mamma, Demon Dagger, Freequency, Jack In The Box, Mão Morta, Mécanosphère, Os Seis Graus de Separação, Phi, Spank The Monkey, The Neon Road, VortexSoundTech, Wave Simulator e Zero.
“À Sombra de Deus – Braga 88” foi o primeiro disco publicado por uma Câmara Municipal. Até que ponto é importante ter uma autarquia envolvida num projeto como este?
Independentemente das questões de financiamento, importantes para viabilizar um projeto desta natureza – que não garante a rentabilidade ou mesmo o retorno do investimento realizado –, é também essencial vincar o interesse municipal do projeto “À Sombra de Deus”.
Mais do que um veículo de promoção das bandas abrangidas, sobretudo das mais desconhecidas, o “À Sombra de Deus” assume-se como uma mais-valia para a imagem da cidade e para a sua divulgação, e a ratificação dessa função deve passar pelo apoio dos órgãos municipais à sua edição. Mas o envolvimento da autarquia implica ainda o reconhecimento do capital cultural que a música feita na cidade representa, com toda a responsabilização a que isso dá origem pela sua preservação e fomento. Ora essa responsabilização tem consequências práticas e concretas, como é exemplo a adaptação, pela Câmara Municipal, da bancada nascente do Estádio 1.º de Maio a salas de ensaio e a sua disponibilização às bandas da cidade em 2006, colmatando uma carência que funcionava como empecilho para o desenvolvimento da música na urbe.
Como vês a cena musical bracarense da atualidade?
Atravessa um momento particularmente criativo e de afirmação nacional, acentuado desde que em 2006 passaram a concentrar-se as bandas nas salas de ensaio do Estádio 1.º de Maio, criando sentimentos de pertença a um todo mais vasto do que a mera banda onde se toca. Há, mais do que muitas bandas, de grande nível, um caldeirão coletivo feito de diversidade, de convivialidade, de troca de ideias, de partilha, de desafio e de apoio mútuo, o que é um salutar viveiro para o germinar de boas ideias e de bons músicos.
Que diferenças encontras comparando-a com a dos anos 80?
A primeira diferença, e abissal, é a escala: hoje a cena musical é muito mais vasta. Nos anos 80 havia um movimento coletivo muito forte que, não sendo exclusivamente musical, se concentrava numa dezena de ativistas, desdobrados nos grandes momentos por 20 ou 30; agora, só no quarto volume do “À Sombra de Deus” participam 69 músicos…
Na época, cantava-se exclusiva e militantemente em português; hoje, a par do português encontramos o inglês.
Para além disso há uma maior capacidade técnica sobre o domínio dos instrumentos e um muito maior conhecimento sobre o som, há mais e melhores meios disponíveis, sejam os próprios instrumentos, sejam amplificadores, PAs, estúdios…tudo!
Há, no entanto, um menor envolvimento da música com outras disciplinas artísticas, o que era uma imagem de marca da cena bracarense dos anos 80. E, até pela sua dimensão e variedade, os atuais contornos coletivos do meio musical são muito mais frágeis do que nos anos 80.
Mantém-se sensivelmente idêntica a falta de espaços de pequena e média dimensão para tocar ao vivo.
Porquê lançar agora “À Sombra de Deus IV – Braga 2012”?
A edição de um “À Sombra de Deus” que registasse o estado atual de criatividade e qualidade da música feita em Braga há muito que se justificava. Acontece precisamente agora, em 2012, porque só agora, com a nomeação da cidade a Capital Europeia da Juventude, foi possível reunir as condições financeiras para a sua edição.
Qua bandas vamos poder encontrar no disco?
O disco é duplo, sendo que o disco 1 apresenta The Astroboy, Mundo Cão, Nyx, Peixe:Avião, Estilhaços, Long Way To Alaska, Ermo, Cavalheiro, Dead Men Talking, Monstro Mau, The 1969 Revolutionary Orgy e Vai-te Foder, e o disco 2 apresenta Palmer Eldritch, At Freddy’s House, Smix Smox Smux, Egg Box, Balão de Ferro, Governo, Mão Morta, Tatsumaki, Angúria, Hunted Scriptum e Spitting Red, num total de 23 bandas.
Como correu o concerto de apresentação?
Correu muito bem. O Theatro Circo estava cheio, sem estar esgotado, as duas bandas que se apresentaram – os Egg Box e os Balão de Ferro – fizeram belíssimos concertos, e o disco começou a ser vendido em banca, tendo-se verificado uma grande procura. Tudo muito auspicioso…
Vamos ter oportunidade de assistir a mais concertos noutros pontos de país? Se sim, onde e quando?
Não, os concertos de apresentação do “À Sombra de Deus” realizar-se-ão exclusivamente em Braga, integrados na programação da Capital Europeia da Juventude. O próximo é dia 20 de Junho, no Theatro Circo, com Ermo e Smix Smox Smux.
Quando vai estar à venda a compilação?
A compilação deverá estar à venda nas lojas de todo o país a partir de 04 de Junho.
Por: Sandra Pinto